11 de agosto de 2015

Revisão: 'True Detective' (2.ª Temporada)

Criado por
Nic Pizzolatto

Elenco
Colin Farrell, Rachel McAdams, Vince Vaughn, Taylor Kitsch, Kelly Reilly

Canal: HBO

Classificação IMDb: 9.1 | Metascore: 61 | RottenTomatoes: 63%
Classificação Barba Por Fazer: 70


- Abaixo podem encontrar Spoilers - 

A História: 

    A vida nunca seria fácil para a segunda temporada de 'True Detective', depois da perfeição da primeira, levada às costas por um universo semântico macabro e quase mitológico e, mais do que qualquer outra coisa, por Rust Cohle (Matthew McConaughey). Nic Pizzolatto, sem contar com a realização de Cary Fukunaga, dispôs do quarteto Farrell, McAdams, Vaughn e Kitsch para tentar repetir a façanha. Não conseguiu.
    Comecemos com algo bom: a segunda season da série da HBO tem um dos melhores genéricos dos últimos tempos (música de Leonard Cohen, cujas lyrics se vão desenvolvendo de episódio para episódio) e a colaboração interina da cantora Lera Lynn foi um ponto a favor. Falando da história em si, Pizzolatto criou uma encruzilhada, fundindo os caminhos das personagens principais com uma história paralela, e abordando a corrupção em diversos ramos da sociedade enquanto procurou preencher cada personagem com um background interessante.
    Dos 4 protagonistas, três são detectives. Ray Velcoro (Colin Farrell) começa a temporada como o detective perdido e alcoólico, incapaz de servir de exemplo para um filho que não sabe se é seu, estando "na mão" de um gangster, Frank Semyon (Vince Vaughn), que ao fim de muitos anos a gerir clubes nocturnos e casinos procura investir num caminho legítimo e menos obscuro. As circunstâncias iniciais juntam à realidade de Ray dois outros agentes - Ani Bezzerides (Rachel McAdams), uma detective incansável mas assombrada por questões sexuais do passado, e Paul Woodrugh (Taylor Kitsch), um veterano de guerra a sofrer de stress pós-traumático e a tentar reprimir a sua orientação sexual.
    Os caminhos dos 3 detectives tornam-se um quando Woodrugh descobre o corpo de Ben Caspere, parceiro de negócios de Frank Semyon, e a história evolui daí em diante.
    Para quem não viu a série não é aconselhável que leiam este parágrafo. Pizzolatto criou desta vez uma narrativa que, no fim, não é tão complexa como inicialmente parecia; mas os primeiros episódios (maioritariamente dedicados a fazer-nos conhecer bem as motivações e fantasmas das personagens) são algo aborrecidos. Dito de uma assentada: em '92 uma joalharia é assaltada por três polícias corruptos a mando de Caspere, deixando duas crianças (os filhos dos donos da joalharia) órfãs. Os proveitos desse assalto levam a que todas as partes envolvidas "comprem" a sua ascensão no elevador social, na corrupta cidade de Vinci. Passados 23 anos, Frank Semyon trabalha com Ben Caspere num projecto - a construção de uma linha ferroviária - com o qual espera beneficiar a médio-prazo a título individual, algo que fica pendente quando Caspere desaparece. Woodrugh descobre Caspere morto, e tanto ele como Bezzerides e Velcoro são designados para investigar o caso. Pelo meio, Ray Velcoro vai informando Frank, por estar em dívida para com ele depois deste lhe ter feito um favor no passado ao indicar-lhe o nome do homem que tinha violado a sua mulher. Com festas privadas com orgias para membros de classe alta, e gangs (russos, mexicanos) à mistura, os três detectives acabam envolvidos numa armadilha, Frank Semyon é traído e vê-se em risco de perder tudo, e nos derradeiros episódios percebe-se que os principais homicídios da série têm diferentes origens e motivos, havendo quem procura silenciar outros e salvar-se, e quem procura vingança, fazer justiça. Acaba por ser uma série estranha porque a história é complexa mas interessante - embora mal organizada, ou a precisar de mais episódios, na forma como é mostrada ao público - e as personagens são todas elas boas criações. Mas o resultado final é insatisfatório, é acima da média comparativamente com a qualidade habitual do que muitas vezes vemos, mas tinha condições para ser muito melhor.

Antologia vs Antologia:
    A mecânica de Pizzolatto para 'True Detective' - cada season uma realidade diferente, com personagens diferentes - torna inevitável fazerem-se comparações entre temporadas, mais ainda do que noutras séries com formato tradicional. Se virmos bem esta segunda temporada é mais realista do que a primeira, mas cativa e agarra menos. Não consegue ser uma lenda televisiva, acabando por ter os pés mais assentes na terra em vez de divagar na mitologia criada através de palavras imortais da 1.ª temporada como Carcosa ou Yellow King, tudo isto para além da brutal interpretação de Matthew McConaughey como Rust Cohle, cuja personagem chegava para elevar a série a um patamar de excelência. Único.
    Para além de Cohle, a temporada de estreia tinha ainda algumas vantagens: o facto de estar a trabalhar sobre uma folha em branco, não tendo uma grande temporada atrás de si, e a própria abordagem - as duas timelines com Cohle e Hart a serem inquiridos no presente, e a relatarem as incidências do passado - que agarrava o espectador. O foco total na relação, profissional e pessoal, de Cohle e Hart permitiu "ligar" muito mais as personagens, comparativamente com os quatro protagonistas de 2015.
    Desta vez, o final até foi mais realista e apropriado (embora a season finale tenha sido fraquinha), mas a sombra da antologia de estreia foi demasiado grande para que a luz incida sobre Vinci.
    Em comum, para além de um tom negro e das personagens problemáticas e em sofrimento, mantêm-se algumas assinaturas na escrita de Pizzolatto: o quarto episódio volta a ter no final a primeira explosão de adrenalina da série (embora Fukunaga tenha construído com Pizzolatto uma das melhores e imparáveis cenas televisivas) em forma de tiroteio, e tanto num caso como noutro ao penúltimo episódio o caso está mais ou menos totalmente a nu. 
    
A Personagem: Frank Semyon (Vince Vaughn) | Ray Velcoro (Colin Farrell).
    O equilíbrio pauta o quarteto de personagens nesta temporada. Não havendo um herdeiro legítimo de Rust Cohle, todos se revelam interessantes, mas todos têm pontos contra. Ani Bezzerides e Paul Woodrugh são, ao longo da temporada, as duas personagens mais complexas, menos lineares e previsíveis e que, como tal, partiam na frente para serem A Personagem. No entanto, Woodrugh, o militar que no final do tiroteio do episódio 4 se sente "em casa", tem contra si o facto de nos deixar trágica e heroicamente sendo incapaz de assumir quem é; já Bezzerides, que exigia a Rachel McAdams quase uma transformação de 180º (e muito cresceu a actriz) tem diversos pontos de interesse - os seus distúrbios sexuais, os vícios, a faca, o seu treino de auto-defesa, o seu comportamento quando se vê rodeada de orgias, sendo claramente a personagem que Pizzolatto criou para responder às críticas que apontavam a primeira temporada como machista. No entanto, olhando para o percurso de Bezzerides, o seu clique com Ray faz pouco sentido (mais do lado dela, do que dele), bem como o facto de no fim "desistir" de fazer justiça, embora acabe a contar tudo ao jornalista.
    Dito isto, Semyon e Velcoro acabam por ser em ex aequo as melhores personagens da temporada. É certo que quando estão juntos as suas cenas parecem o jogo do sério ou um concurso de olhares, mas acabam por ser quem reúne um percurso mais completo, e melhores momentos.
    Quando ao segundo episódio parece que Ray Velcoro morre, a sua morte não seria um choque (a personagem era linear, previsível, ao contrário de Bezzerides e Woodrugh). No entanto, e principalmente depois de escolher o melhor para o filho, abdicando dele e partindo a sua sala de estar toda, Velcoro (embora exista o preconceito que dos 4 actores Farrell era já o mais maduro e o mais 'True Detective', tendo que se transformar menos) reúne diversos pontos a seu favor: os momentos de mau pai mas também aquela continência final; quando quis ajustar contas ou procurar respostas (de gorro até ao pescoço, ou a espancar o Dr. Pitlor), acabando por ser adequado para a personagem o seu erro ao fazer um desvio final que lhe custa tudo, e a sua cena na floresta, de maior significado ao corresponder à descrição do pai dele no seu sonho (I see you, running through the trees, you're small, the trees are like giants, men are chasing you, you step out the trees, you ain't that fast, oh son, they kill you, they shoot you to pieces). Uma personagem trágica, pelos 99.9% mas especialmente por não ter conseguido enviar a mensagem final ao filho.
    Sobre Frank Semyon, é ainda mais estranho abordá-lo, especialmente porque ao longo de 6 episódios da temporada é quase sempre uma desilusão. As cenas de Vaughn e Reilly são péssimas, não havendo qualquer química entre os actores, porque Vaughn brilha quando está sozinho e não com a sua mulher de peito distractivo, e principalmente ao assumir o lado gangster. Uma das coisas mais curiosas da personagem é o facto de, sendo o único dos 4 protagonistas que não é detective, ser o 1.º a perceber o caso quase por completo, tomando as diligências necessárias para ter um futuro e para que quem o tramou não saia por cima. Nos dois episódios finais é de longe a personagem que mais se destaca, desde a forma como lida com Blake, ao facto de jogar póker por 4, ao pormenor de não despir o fato (por conter os diamantes que garantiam o seu futuro, mas podendo-se interpretar que não se curvaria perante mais ninguém), àquela caminhada final pelo deserto que é das melhores coisas desta temporada. Ps.: teria sido positivo vermos e percebermos melhor o Birdman desta season.
    

O Episódio: 07 'Black Maps and Hotel Rooms'.
    A season finale desilude, embora aconteça tudo o que seria lógico acontecer, e talvez particularmente pela fasquia colocada pelo penúltimo episódio. Os episódios 04 e 06 têm finais brutais, mas 'Black Maps and Hotel Rooms' é o episódio mais completo. É aquele em que Frank Semyon se move nos bastidores, apercebendo-se de tudo o que está em causa, assumindo-se, ele e Woodrugh, os verdadeiros detectives capazes de - por razões suas, e não tanto pela importância dada ao caso como Rust Cohle dava na 1.ª temporada - procurar resolver tudo, cada um por si.

O Futuro: 
    Não restam dúvidas que Nic Pizzolatto tem uma cabeça espectacular e capaz de criar contextos e personagens que acrescentam valor ao panorama televisivo. Ao contrário doutras séries, por não haver continuidade desta história/ personagens, não faz sentido tentar adivinhar o futuro. Já se percebeu que a escrita de Pizzolatto é tanto melhor quanto mais filosófica for e quanto melhor conseguir ligar as personagens, mantendo sempre o carácter perturbado, louco e tenso, obrigando alguns actores a "transformarem-se". Quando o Birdman apareceu nesta temporada, transportou-nos imediatamente para o tipo de símbolos e grafismo da primeira, que seria uma boa cama para a terceira temporada.
    Ainda não é certo que haja, aliás, uma 3.ª temporada. Mas deve haver. Pizzolatto é, aos 39 anos, um dos argumentistas mais fortes da TV actual, e muitos serão os actores que irão bater à porta para ter uma oportunidade. Vaughn, McAdams, Farrell e Kitsch terão todos ganho carreira com esta experiência, e numa eventual 3.ª temporada talvez fosse inteligente não ter tantos protagonistas, aprofundando melhor 2 ou 3. E a terceira temporada é também uma boa oportunidade para haver um verdadeiro vilão, não proporcionando apenas um momento Scooby-Doo.
    E quem é que poderiam ser os novos 'True Detective'? Há sempre umas 5 formas de ver as coisas: apostar em actores suficientemente loucos à priori e já com o mindset da série (1); atrair actores que estejam em crescendo mas que precisem da sua afirmação definitiva (2); acreditar no valor de underdogs cujos papéis recentes não espelhem o seu real talento (3); procurar promover uma transformação e afirmação total de actores ou actrizes que convençam no casting (4); convencer uma estrela com reputação que faz sentido uma aventura televisiva (5).
    Nesse sentido, correspondendo a cada uma dessas categorias teríamos nomeadamente: 1 - Ben Mendelsohn, Benicio del Toro, Sam Rockwell, Cilian Murphy; 2 - Jake Gyllenhaal, Tom Hardy, Michael Fassbender, Jessica Chastain, Elizabeth Moss; 3 - Michael Shannon, Casey Affleck, Paul Dano, Idris Elba, Aaron Paul, Ryan Gosling, Winona Ryder, Maggie Gyllenhaal, Elizabeth Olsen; 4 - Emily Blunt, Anne Hathaway, Jim Carrey; 5 - Brad Pitt, Christian Bale, Edward Norton, Gary Oldman, Sean Penn

Estejam à vontade para dizerem o que acharam desta segunda temporada, e que conjuntos de actores gostariam de ver na terceira!

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