14 de agosto de 2015

Benfica: O que falta ao campeão?

    É uma pergunta sobre a qual muitos se debruçam. Toda a gente tem direito a ter a sua opinião e nós hoje trazemo-vos uma análise mais aprofundada à realidade do Benfica para descortinar quais os verdadeiros problemas que estão a fazer com que o campeão em título esteja perto de rimar com "Crise", apesar de estarmos apenas no início da época. É certo que com Jorge Jesus tudo começava bastante mal, mas neste preciso caso é diferente. Com Jesus viam-se processos logo de início e já se sabia que o futebol ia melhorar ao longo do tempo.
    A razão de fazermos esta análise apenas ao Benfica é bastante clara: mais nenhum clube teve o impacto negativo que a equipa da Luz teve. Tanto a nível qualitativo - com as saídas de Jesus e Maxi - como também a nível emocional pelo facto dos mesmos terem saído.. para os rivais. Como se não bastasse, a resposta em campo e o futebol da equipa sob o comando do novo treinador não foi a melhor. Assim sendo, sistematizámos todos os erros, a nuvem negra que paira sobre os benfiquistas levando-os da euforia à depressão/ preocupação, em quatro pontos/ temas.

Plantel 

    No ano transacto a falta de qualidade no plantel do Benfica já se fazia notar. A verdade é que Jorge Jesus teve em Lima, Jonas e Talisca os seus salvadores e conseguiu espremer ao máximo um plantel com lacunas, comparativamente com a equipa do Porto. Esse foi outro ponto importante para o Benfica ter sido campeão - a equipa de Lopetegui não ter sido constante ao longo do campeonato. Jesus teve a sua equipa praticamente virada e focada em exclusivo no campeonato, sem qualquer aspiração europeia como tivera na época de 2013/14 com um onze milionário.
    Mas voltemos ao que interessa, o plantel actual. Há três posições que necessitam de ser reforçadas. Achamos essencial (e achávamos já antes da pré-época se iniciar) a contratação de um lateral esquerdo; mas também de um jogador que preencha a "posição 8", porque embora haja abundância de médios-centro nenhum tem as características e interpreta a posição como o Benfica precisa, pois nunca houve um verdadeiro sucessor de Enzo. Por fim, achamos necessária a entrada de um extremo, especialmente se Nico Gaitán acabar mesmo por abandonar a Luz.

  • Lateral esquerdo - Este é um dos pontos mais críticos no plantel das águias. E a verdade é que não é um problema actual. Após a saída de Siqueira para o Atlético Madrid não houve jogador à altura de cobrir tal posição com a mesma qualidade. Eliseu marcou golos e foi importante na Liga, é certo, mas um Benfica com aspirações de ir longe na Europa precisa de um lateral com outro calibre. Sílvio não tem o ritmo necessário, André Almeida rende mais no lado direito e não dá a profundidade necessária ao flanco e Marçal, qual Djavan, parece ter chegado para cumprimentar os colegas e seguir para outras paragens.
        Assim, o Benfica tem urgentemente de ir ao mercado, porque irá com um ano de atraso. À medida que o mercado decorre, as opções vão-se encurtando. A mais sonante é sem sombra de dúvida o regresso de Fábio Coentrão. O jogador não parece estar virado para ser novamente sombra de Marcelo no Real Madrid e pretende sair para poder jogar mais. E pelo que a imprensa alega, a vontade do jogador é mesmo a de jogar no clube do coração. Contudo - mesmo tendo em conta a mão amiga de Jorge Mendes neste caso -, o negócio tem tudo para ser complicado. Desde as verbas envolvidas à má relação actual dos clubes após o caso "Garay". Não vindo Coentrão, achamos que a contratação de Grimaldo (Barcelona B) seria uma mais-valia. Os encarnados não querem pagar pelo jovem, por este estar perto de terminar contrato, mas podem eventualmente cair no mesmo erro aquando do interesse em Jonathan Soriano. Se houve dinheiro para trazer Eliseu (são verbas mais ou menos aproximadas), tem que haver para um jovem de qualidade. E o actual investimento em Jimenéz é mais um indício que dinheiro não é propriamente o problema.
  • Posição 8 - Qualquer adepto de futebol vê que no Benfica falta ligação. Um meio-campo com Fejsa-Samaris não consegue levar a bola verticalmente até ao ataque, acabando por destruir sem construir, e uma parelha Samaris-Pizzi (aquela que Jesus trabalhou) chega para alguns jogos da Liga NOS, mas não tem a dimensão física e táctica que será fulcral nos jogos europeus e com os grandes portugueses. Pizzi é útil, mas como 3.º médio num 4-2-3-1 ou jogando no flanco.
        Como não é possível fundir Fejsa e Pizzi, o Benfica precisa de um 8. Para perceberem a nossa visão, o alvo perfeito era o chileno Charles Aránguiz. O médio que assinou pelo Leverkusen por 13M era um alvo difícil para o clube da Luz, mas é o modelo de jogador que o clube precisa para a posição. Alguém capaz de transportar o jogo até aos avançados, tendo raça suficiente e capacidade de "meter o pé", acompanhando tudo isto com uma maturidade para chegar e entrar logo na equipa, tendo poder de choque, lendo o jogo e sabendo antecipar-se. Um jogador com QI futebolístico e qualidade técnica como Enzo e Witsel tinham não cai do céu e não é barato, e para além do chileno, também o turco Tufan (novo jogador de Vítor Pereira) poderia ter sido uma boa opção. Olhando para o mercado sul-americano o alvo dos encarnados parece ser o certo: Marcelo Meli. O médio incansável do Boca não tem o poder de decisão e discernimento necessários no último terço mas compensa com a sua disponibilidade física e capacidade de queimar linhas, aproximando forçosamente sectores. O que lhe falta, o Seixal pode e deve dar-lhe (plano físico e indicações de Rui Vitória). Não ter capacidade técnica, primeiro toque/ recepção e uma boa mentalidade seria mais grave.
        Estando Aránguiz fora de questão, outras soluções que não Meli demorariam ainda mais tempo na sua adaptação. Jogadores como Lucas Romero (Vélez) ou Leonardo Gil (Estudiantes) estão ainda mais verdes, embora o último tenha boa chegada à área. O mexicano Jorge Enríquez (Chivas) não seria um grande upgrade em relação à hipótese Samaris a 8, e um médio desconhecido como Papa N'Diaye (Bodø/Glimt) ainda teria que queimar muitas etapas em termos de consciência táctica, sendo apenas uma boa opção para a equipa B, onde já militam promessas entusiasmantes como Renato Sanches e João Carvalho. Meli seria, portanto, a quinta aquisição deste Benfica à qual daríamos o nosso aval, depois de Carcela, Jiménez, Bilal e Dálcio.
  • Extremo - Esta última posição urge reforço, sobretudo se Nico Gaitán sair. Se o seu sub-capitão sair o Benfica precisará de garantir um jogador que dê garantias no imediato. Alguém que assuma a equipa no último terço, que não tenha medo de ter a bola, com elevada qualidade técnica, criatividade e capacidade de desequilibrar em 1 para 1. Há jogadores de qualidade no plantel encarnado, mas nenhum perto sequer do nível do número 10, e a venda de Gaitán seria um "tombo" considerável na manobra ofensiva encarnada. O Benfica tem as pérolas Nuno Santos e Gonçalo Guedes, mas ambos necessitam de uma integração gradual, beneficiando com o facto de serem apenas alternativas, não arcando com a pressão altíssima de uma entrada directa para o 11. É, no entanto, possível que 1 deles seja emprestado. Para além de Gaitán, Guedes e Nuno Santos, o Benfica tem ainda Ola John e Carcela, evoluindo o promissor Bilal no plantel secundário, enquanto Taarabt (extremo ou jogador para apoiar o avançado) concorre no Biggest Loser.
        Assim sendo, o empréstimo de Markovic era uma solução bastante viável. O sérvio já afirmou que não se importaria de voltar, o Liverpool quer colocá-lo num clube porque já tem o plantel cheio e ficaria apenas por negociar as verbas do ordenado do jogador. O salário de Markovic é incomportável para os cofres da Luz e teria que ser o clube da cidade dos Beatles a pagar a maioria. Jogadores como Cervi (um Gaitán em potência) e Zivkovic, já associados aos encarnados, seriam mais-valias mas ambos precisariam de crescer, não sendo reforços com entrada de caras para o onze, conseguindo assumir a equipa.
A "Estrutura"
    Já há muito que se fala pelos lados da Luz na forte "Estrutura" que o clube tem e que é isso que faz do clube um clube vencedor. Enalteceu-se ainda mais a dita aquando da saída de Jorge Jesus. O técnico saiu para o rival Sporting e com a sua incorrigível sobranceria lá levou o mérito todo consigo. Os dirigentes encarnados refutam tudo isso e afirmam que o que fez o clube vencer 3 campeonatos nos últimos 6 foi a forte estrutura do Benfica. No entanto, há alguns aspectos em que essa mesma "estrutura" não trabalhou tão bem e parece-nos algo elementar que o fizesse pelo menos nestes dois pontos:
  • Paradigma Benfica made in Benfica - Este tema fortemente enaltecido por Luís Filipe Vieira em quase todas as suas entrevistas e aparições públicas, não devia ser visto apenas como um discurso de contenção. O Benfica tem imensa qualidade na sua formação e deveria tirar proveito dela em termos desportivos e não apenas económicos. Uma equipa que aposte na formação não quer necessariamente dizer que tenha de lançar os jovens directamente para o onze. Há que integrá-los com calma no plantel e isso poderia ser feito ao trocar jogadores que foram contratados para segundas opções pelos jovens em questão. Exemplos disso foram a aposta em contratações como Luis Felipe, César, Talisca ou Ola John ao invés de se introduzir no plantel jogadores como Nélson Semedo, Lindelöf, Bernardo Silva ou Ivan Cavaleiro. De momento, só dois são aposta da actual equipa técnica encarnada (com Jorge Jesus apenas treinavam com a equipa) enquanto que Bernardo Silva e Ivan Cavaleiro são agora jogadores do AS Monaco. Há qualidade para apostar na formação das águias e isso não pode servir para se fazerem apenas negócios e servir interesses de empresários. Bernardo Silva foi o maior erro da actual direcção do Benfica. Um talento único, que está a dar cartas no Mónaco e que foi tapado por contratações de estrangeiros que neste momento não têm lugar garantido na equipa principal do Benfica (Djuricic e Talisca). Quando não há coragem para apostar num miúdo como Bernardo, não há coragem para fazer o clube crescer apoiado na sua Mística.
  • Preparação - A preparação para a nova época tem que ser pensada com bastante antecedência. No mínimo, uma direcção que seja competente e rigorosa, tem que preparar a próxima época com 6 meses de antecedência. Não estamos a referir que foi isso que aconteceu no caso do Benfica, mas pelo menos houve um mau planeamento da mesma. Uma digressão na América que envolveu clubes de grande reputação mundial. A última parte até é aceitável, o que não é aceitável é optar por efectuar a pré-época praticamente do outro lado do mundo, jogando seriamente com os fuso-horários de toda a comitiva encarnada, com temperaturas extremamente elevadas e juntar a isto tudo um número de apenas 5 jogos. Uma equipa em transição como a do Benfica, necessitaria de uma pré-época com mais jogos para o actual treinador conseguir ter alguma margem de manobra no seu trabalho. Rui Vitória foi seriamente prejudicado no que diz respeito à pré-época porque teve que avaliar o seu plantel em 5 jogos e juntar a isso apenas os treinos que faz com os mesmos. O treinador encarnado necessitava de uma primeira pré-época mais calma, progressiva, com mais jogos para lhe possibilitar uma melhor avaliação dos seus jogadores e para impor melhor as suas ideias de jogo que até agora teimam em não aparecer no futebol dos encarnados.
Ideia de Jogo
    Este terceiro ponto é provavelmente o mais grave. Nos anos de Jorge Jesus, tirando o seu primeiro ano, as equipas do actual técnico leonino começavam a jogar pessimamente, mas viam-se rotinas. Havia uma ideia de jogo delineada e era visível ao olho do espectador que mais tarde ou mais cedo a equipa iria produzir bom futebol. Infelizmente, isso ainda não se notou com o novo técnico benfiquista. Ainda não há uma ideia de jogo concreta e há muitas falhas que já há muito tempo não se notavam numa equipa do Benfica.
    A primeira questão está no sistema táctico. Rui Vitória não tem propriamente um, mas é adepto do 4-2-3-1. Contudo, é uma contradição quando se coloca Talisca a 10, posição que não sabe interpretar - tendo apenas remate, é um jogador ainda fraco no transporte e que não consegue fazer a ligação com os médios atrás de si, ou funcionar como farol de toda a equipa no processo ofensivo. No jogo da Supertaça viu-se um duplo-pivot algo atabalhoado, uma repetição do que já se vira na pré-época (infelizmente, Fejsa e Samaris parecem não "casar", pelo menos num 4-4-2 ou suposto 4-2-3-1 com Talisca e não Pizzi). Basicamente o sérvio e o grego foram por diversas vezes ao portador da bola ao mesmo tempo, sobrepondo as suas funções e movimentos. Não houve rigor na posição dos médios, o que fez com que a dupla formada por João Mário e Adrien levasse a melhor.
    Além disto, os sectores não têm qualquer ligação entre si. Os defesas revelam gritante incapacidade no começo da construção, parecendo não saber onde colocar a bola, e servindo-se pouquíssimo dos laterais (Nélson Semedo é, curiosamente, o único capaz de "queimar linhas") e depois não existe um médio (como referimos no segundo ponto) com capacidade para ser ao mesmo tempo quem equilibra os companheiros e desequilibra o adversário. Uma figura capaz de receber e lançar um ataque. O fio-condutor entre médios e avançados não existe, surgindo Jonas (que precisa de ser ele, num sistema de dois avançados, a recuar para encarar o jogo uns metros atrás em vez de se afundar entre os centrais) sempre imensamente desapoiado faltando alguém que consiga recuperar, transportar e servir o ataque. Parecem existir crateras entre sectores, dito de forma exagerada.

Velho e Novo Testamento
    Chegamos finalmente ao trabalho dos treinadores em si. Jorge Jesus trocou o campeão português pelo rival, mas fez questão de hastear a sua bandeira, que nem um americano na Lua, no clube que serviu 6 épocas, reivindicando como seu todo e qualquer mérito que o novo treinador pudesse vir a ter com o seu modelo. O actual técnico dos leões fez um grande trabalho na equipa do Benfica, mas a verdade é que nem tudo foi positivo como Jesus tenta agora fazer parecer. É fácil falar com sobranceria, deselegância e egocentrismo quando se é um treinador bicampeão. Contudo, se recuássemos dois anos, o discurso poderia não ser o mesmo já que Jesus perdeu 3 campeonatos, dois dos quais de forma imperdoável. Ainda assim, com bastantes erros pelo meio, notou-se sempre uma evolução positiva no futebol do Benfica. Jorge Jesus trouxe ao Benfica aquilo que há muito não se via - Bom futebol e Títulos.
    E para romper com este velho fantasma surge Rui Vitória pela mão de Luís Filipe Vieira. A sua situação não é fácil. Teve que lidar com uma pré-época mal delineada, gerir um plantel com poucas mas "pesadas" carências e ainda lidar com a pressão que o treinador do Sporting e ex-treinador do Benfica tenta impor sobre si. Não só incute pressão como desvaloriza o trabalho de Rui Vitória tentando destabilizar o mesmo. Cada um joga com as armas e valores que tem.
    A equipa do Benfica necessita de criar rotinas de jogo para que o seu futebol comece a fluir mais facilmente. Para isso, Rui Vitória tem que se aplicar mais para fazer esquecer o fantasma Jesus. Tem que passar por um processo evolutivo e não se deixar afectar por toda a pressão que treinar um clube grande implica. O actual técnico das águias passou por um caminho algo semelhante no Vitória. No seu primeiro ano não começou bem e viu mesmo os adeptos contra si. Contudo, com o tempo comprovou a sua qualidade ao catapultar o Vitória para os lugares cimeiros da tabela, ganhando uma Taça de Portugal e tendo apostado em valores que já tinha dentro do clube ao invés de contratar fora de portas. Conseguiu não só bons resultados tendo em conta o seu plantel, como também contribuiu favoravelmente para a melhoria das contas do clube vimaranense. Pelo seu discurso, já deu a entender que não irá lançar os jovens directamente para o onze, mas sim integrar os jogadores com qualidade, a seu tempo, na equipa. Teoricamente, este é o grande passo que Vitória dará em relação a Jesus. Vencer, mas sabendo também aproveitar os valores dentro do clube, impedindo o clube de contratar fora de portas de forma desnecessária como tem feito ao longo destes anos. De qualquer forma, até vermos a materialização desta aposta no Seixal, somos obrigados a manter a nossa desconfiança.
    A qualidade de Rui Vitória não está em causa. Apenas fica a dúvida se tem ou não estofo para um clube da dimensão do Benfica. E isso só o tempo o dirá.

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