20 de junho de 2011

Os Ministros do Apocalipse

“O relativo desafogo das nossas vidas, entre 2005 e 2010, assentou, em grande parte, na subida do endividamento do Estado (+34 pontos percentuais do PIB) e no endividamento do País (+38 pontos do PIB). Neste período, Portugal pediu emprestados, em termos líquidos, 81 mil milhões de euros, correspondentes, em média, a 44,3 milhões diários e a 1,8 milhões por hora.
(…)
Durante tanto tempo, ninguém se apercebeu deste descalabro? O que fizeram os governantes para evitar esta corrida inconsciente para o abismo? Que destino demos a todo este dinheiro? Que benefícios conhecemos e que o justificasse? Quem mais beneficiou com o nosso endividamento? Quem nos “forçou” a contrair estas enormes dívidas? Os especuladores? Os governantes alemães? As agências de “rating”? O FMI? Como é de esperar, ninguém responderá. Ainda pior que o silêncio, ninguém será responsabilizado. Nem nas urnas, o que seria coisa pouca. Nem nos tribunais, porque os autores das leis têm o cuidado de o evitar.”
Medina Carreira, “O Fim da Ilusão

Fazer pior que isto, é difícil. Porém a missão do XIX Governo Constitucional de Portugal antevê-se uma das mais difíceis de sempre. O que os espera é um bocado como no filme “Armaggedon”, mas a nível político, e deduzo que não haja um que fique com a palhinha mais pequena e tenha que ficar no meteorito, sacrificando-se.

Fonte: Henricartoon - SAPO
O motivo deste texto é precisamente o novo Governo. Divulgados os nomes na passada sexta-feira, pudemos concluir que nos próximos 4 anos (à partida) iremos ser governados por uma classe política mais jovem (média de 47 anos de idade) e com 36% de independência. Se isto é bom? Na minha opinião sim.

Sobre o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, já se disse muito e já foi escrutinado ao longo de toda a campanha eleitoral. Apenas posso acrescentar um bom comentário da responsável pela campanha eleitoral do PSD, a brasileira Alessandra Augusta, que disse após a vitória do PSD nas legislativas que “Nunca tinha sido responsável por uma campanha em que ganhou o candidato que só disse verdade”.

Passos e Portas muito discutiram em quanto se diminuía o Governo. Portas queria 12, Passos queria 10. Pegaram numa calculadora, fizeram a média e perceberam que dava 11. O lusco-fusco dos seus desejos, uma equipa de futebol político. Passemos então à análise do novo onze titular no Governo de Portugal:

Paulo Portas (Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros)
Secretário-geral do CDS-PP, ex-director do semanário “O Independente”, ex-ministro do Estado e Defesa Nacional (com a tutela dos Assuntos do Mar no curto governo liderado por Santana Lopes), Paulo Portas é claramente um dos políticos mais capazes no actual elenco político português. O Homem-Submarino será eternamente perseguido pela compra de dois submarinos quando integrava o governo de Durão Barroso. Portas começou na JSD, da qual se afastou após a morte de Francisco de Sá Carneiro. Licenciado em Direito, na Universidade Católica, acabou por se tornar jornalista (sim, porque Paulo Portas teve uma vida antes de ser político). O jornalismo que foi de resto uma das opções que resultaram dos testes psicotécnicos que fez. Advogado, jornalista, político e padre foram os resultados. Licenciou-se em Direito, já foi jornalista, é político… Isto quer dizer que Paulo Portas acabará como padre?!

Vítor Gaspar (Ministro de Estado e Finanças)
Doutorado em Economia, Vítor Gaspar já conhece bem o Ministério das Finanças, onde já foi director de Estudos Económicos. Estava como consultor do Banco de Portugal desde 2010, já havia chefiado o Gabinete de Conselheiros de Política Europeia (GCPE) e trabalhado no Banco Central Europeu, como director-geral de Research. Com meio século de vida, Vítor Gaspar herda de Teixeira dos Santos uma das pastas mais importantes, para a qual esperemos que contribuam os seus anos na Europa, os conhecimentos e pergaminhos. Publicou vários artigos, tendo recentemente lançado o livro “Imperfect Knowledge and Monetary Policy”, escrito juntamente com Otmar Issing – economista alemão. Conclui-se, portanto, que Vítor Gaspar se dá bem com os nossos “donos”. A vantagem das Finanças estarem a cargo dum independente é uma boa estratégia para a fuga às responsabilidades: “Não, ele não é nosso. Está por conta própria. Tem ideias assim… muito independentes”. Um político independente num governo é como um jovem que sai de casa cedo. Falando assim, estamos perante um dos nomes futuramente mais badalados – um “técnico” como tanto gostam de chamar aos elementos com pouco ou nenhum passado político, um homem discreto do qual se espera a melhor “Monetary Policy” e um ao contrário do seu livro um “Perfect Knowledge”.

Álvaro Santos Pereira (Ministro da Economia)
O novo ministro da economia nasceu em Viseu, licenciou-se na Universidade de Coimbra em Economia e doutorou-se em Vancouver, na Simon Fraser University. Álvaro Santos Pereira vai ter que fazer uma ligeira alteração no seu quotidiano, uma vez que actualmente era professor na universidade canadiana na qual se doutorou, leccionando a disciplina de Desenvolvimento Económico e Política Económica. É também professor visitante na University of British Columbia. Este ano editou o livro “Portugal na hora da verdade – o que fazer para vencermos a crise nacional”, tendo já escrito também o romance “Diário de um Deus Criacionista”. Tal como Passos Coelho e Vítor Gaspar, mais um membro do novo Governo que lançou um livro recentemente. Faz-me acreditar que se tivesse lançado um livro em 2010 poderia aspirar a um lugar. Tendo já sido autor de um romance, é precisamente num romance que queremos que Álvaro Santos Pereira transforme o terror da economia nacional.

José Pedro Aguiar-Branco (Ministro da Defesa)
Nascido no Porto em 1957 e licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, é a segunda vez que Aguiar-Branco integra um Governo – fora já Ministro da Justiça no executivo liderado por Pedro Santana Lopes. Aguiar-Branco, um homem casado e com 5 filhos, foi quem coordenou a comissão de revisão do programa do PSD para as últimas legislativas. Desde os anos 70 (na altura na JSD) um homem envolvido na política, o novo Ministro da Defesa, que perdera para Passos Coelho na corrida à liderança ao Partido Social Democrata em 2010, vê agora o seu opositor vencedor nesse “combate” convidá-lo para integrar o Governo.

Paula Teixeira da Cruz (Ministra da Justiça)
Uma mulher. Advogada. Esta conjugação lembra-me o filme “Legalmente Loira” com Reese Witherspoon. Paula Teixeira da Cruz nasceu em Luanda e é advogada desde 1992, e filiada no PSD desde 1995. Mulher de armas e de forte e bem argumentado discurso, já foi líder da distrital de Lisboa do PSD (no tempo de Santana Lopes), assumiu uma das vice-presidências do PSD sob a liderança de Marques Mendes, foi casada durante anos com o ex-presidente do BCP Paulo Teixeira Pinto. Não conhecendo muito o seu trabalho e capacidade enquanto advogada (muito elogiado por exemplo pelo bastonário da Ordem dos Advogados, o querido-mor de Manuela Moura Guedes – Marinho Pinto) apenas posso dizer que sempre gostei de ouvir as suas intervenções e comentários políticos na Sic Notícias e RTP N.

Miguel Relvas (Ministro dos Assuntos Parlamentares, Autarquias e Desporto)
Com 49 anos de vida, Miguel Relvas integra o PSD desde a sua adolescência, tendo já quase 30 anos de ligação “laranja” e de vida a Pedro Passos Coelho. Mais do que um braço-direito, Miguel Relvas é quase que os dois braços. Ou pelo menos um braço e o outro até à zona do cotovelo. Miguel Relvas é quase sempre a cara que vemos próxima da de Pedro Passos Coelho. Um “emplastro” político? Não, um apoio e certamente um amigo. Inscreveu-se na JSD graças à sua admiração por Sá Carneira (cuja morte acelerou a vinculação de Relvas à cor laranja, ao invés de Paulo Portas por exemplo). Olhando para Miguel Relvas e Paula Teixeira da Cruz, a ministra que referi antes, penso que ambos se podiam juntar, ligar o youtube e finalmente decidir pôr Pinto da Costa no seu devido lugar.

Miguel Macedo (Ministro da Administração Interna)
Nascido em Braga em Maio de 1959 e licenciado em Direito, Miguel Macedo foi no último ano o rosto do PSD no Parlamento na oposição ao governo de Sócrates. Há 3 meses atrás foi quem justificou em pleno Parlamento o chumbo do PSD ao Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) que levaria à demissão de José Sócrates e à realização de eleições antecipadas. Publicou em tempos o “Manual do Jovem Autarca”.

Paulo Macedo (Ministro da Saúde)
Mais um Macedo no governo. Mas, neste caso, um independente. Nascido em 1963, Paulo Macedo licenciou-se em Organização e Gestão de Empresas, tendo obtido posteriormente uma pós-graduação em Gestão Fiscal. De forma leiga, há muitas vezes aquele pensamento: “Um ministro das finanças é um gestor ou economista, um ministro da educação é um professor (ou escritor), um ministro da agricultura é um agricultor, um ministro da saúde é um médico” – se nos dois primeiros casos está certo, nos outros não. A um ministro da Saúde não se exige que saiba amputar uma perna, curar uma gripe ou operar um tumor, mas sim criar uma estrutura e uma base de funcionamento para que os portugueses tenham o melhor acesso à saúde, e se conseguir ajudar a curar Portugal a nível financeiro, melhor. Em jeito de curiosidade, a única ligação até hoje de Paulo Macedo ao sector da Saúde está ligada ao BCP, onde é administrador por exemplo da Médis, a empresa que gere seguros de saúde.

Nuno Crato (Ministro da Educação, Ensino Superior e Ciência)
O 4º e último independente. Nascido em 1952, o matemático e estatístico português tem já uma vasta obra de artigos e livros publicados. Foi professor na Escola Secundária Rainha Dona Leonor, no Instituto Superior de Economia, na Universidade dos Açores, no Stevens Institute of Technology e no New Jersey Institute of Technology. Desde 2000 é professor no ISEG e pró-reitor na Universidade Técnica de Lisboa. Em 2008 foi homenageado por Cavaco Silva com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique. Foi presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática e é, desde 2010, presidente executivo do Taguspark. Foi um dos membros do programa Plano Inclinado e acrescente-se que o seu trabalho de investigação foi sobre processos estocásticos e séries temporais (não domino isso claramente, caro leitor) com aplicações várias, nomeadamente climáticas e financeiras. A frase que acabei de escrever acho que bastava para alguém ser ministro de algo. Honestamente, tenho grandes esperanças no novo ministro da Educação e Ensino Superior – um homem claramente inteligente e que quererá, de forma com certeza exigente mas justa, criar condições para a formação de gerações capazes. Nuno Crato é favorável aos exames nacionais no final de cada ciclo.

Pedro Mota Soares (Ministro da Segurança Social e Solidariedade)
Aos 37 anos, o advogado e vice-presidente do CDS-PP chega ao governo. Pedro Mota Soares foi um dos rostos que maior número de intervenções públicas veio tendo nos últimos tempos, como voz do Partido Popular, fosse em simples entrevistas em telejornais ou no programa Prós e Contras. Um possível futuro Paulo Portas (já foi presidente da juventude centrista, actual juventude popular), o novo ministro da Segurança Social, tem já cerca de 10 anos de deputado e destaca-se pelo bom discurso, assertividade e postura. É, dos 11 ministros, o 2º elemento mais novo.

Assunção Cristas (Ministra da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território)
Tem 36 anos sendo, como tal, a benjamim do novo governo. E a 2ª mulher. Envolvida na política desde os 27 anos, doutorada em Direito Privado, docente na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Assunção Cristas assumiu-se em entrevista ao jornal I “a pessoa mais centrista do CDS”. Se os rumores sobre Paulo Portas não fossem os que são, diria que estávamos perante um “affaire” do líder do CDS, que explicaria a ascensão de Assunção Cristas ao governo e as pastas (de alguma importância, diga-se, que ficaram a cargo dela). Porém, ver as coisas desse modo seria um pouco machista. E Assunção Cristas é casada e tem 3 filhos. Vamos portanto acreditar no trabalho e profissionalismo da jovem ministra que terá a seu cargo a Agricultura (uma das “bandeiras” do CDS), o mar, o ambiente (e eu que pensava que o mar fazia parte do ambiente…) e o Ordenamento do Território.

Resta-nos desejar boa sorte ao XIX Governo Constitucional de Portugal: Passos Coelho + 11 (4 sociais democratas, 4 independentes e 3 democratas cristãos; 9 dos quais homens e 2 mulheres). Alguns lançaram livros recentemente, alguns são “Africanistas de Massamá”. Apenas deixo uma ligeira crítica ao desaparecimento do Ministério da Cultura. Mas a verdade é que se tudo for ao sítio, o investimento na Cultura e nas Artes será proporcionalmente mais fácil. Agora resta pedir-lhes esforço e trabalho. MP

PS: Este governo custará sensivelmente menos 1,3 a 1,4 milhões por ano, comparativamente com o governo de Sócrates, segundo o Correio da Manhã. No poupar é que está o ganho.

3 comentários:

  1. Bom artigo, explica bem a composição do novo governo e dos respectivos ministros.
    De facto, não se entende que pessoas como o Francisco Assis venham acusar este elenco gonvernativo de "amadorismo", pois a mim parecem me ser profissionais credenciados e que não têm grande beneficios em vir para o governo, antes pelo contrario. É certo que alguns têm pouca experiencia politica e são relativamente jovens, mas nenhum destes factores será a causa de um eventual fracasso deste governo.
    Em relação à não existência de um ministério da cultura, eu sou da opinião de que não é por uma determinada área não ter ministério que deixa de ter atenção, sendo que para este tipo de sectores, a meu ver não prioritários neste momento,as secretarias de estado (penso que ainda não foram anunciadas) chegam perfeitamente.
    Parabéns pelo blog e continuação de um bom trabalho

    ResponderEliminar
  2. Muito melhor do que comprar jornais ou ver os intermináveis telejornais. Neste blog podemos encontrar o "sumo", explanado de forma inteligente e com a finalidade de informar sem chatear.

    ResponderEliminar
  3. A merecer uma actualização, sobretudo nas grandes figuras destes últimos meses. Relvas, vida oculta, gastos telefónicos de Tomar, licenciatura e RTP; Passos Coelho, «Que se lixem as eleições», actividade no Facebook e assinaturas «Pedro», casamento com, a outra superstar deste Governo, Paulinho Portas; Vitor Gaspar e a "raspadinha da Troikomilhões", etc.

    João S.

    ResponderEliminar