18 de outubro de 2015

Crítica: Beasts of No Nation

Realizador: Cary Joji Fukunaga
Argumento: Cary Joji Fukunaga, Uzodinma Iweala
Elenco: Idris Elba, Abraham Attah, Ama K. Abebrese, Emmanuel Nii Adom Quaye
Classificação IMDb: 7.8 | Metascore: 79 | RottenTomatoes: 92%
Classificação Barba Por Fazer: 84

Aquele que era um dos filmes para o qual tínhamos maiores expectativas na recta final de 2015, é tudo o que se podia esperar e desejar. Cary Fukunaga a dar o passo certo depois de 'True Detective', Idris Elba a elevar o filme para um patamar de excelência e o jovem Abraham Attah a ser uma verdadeira revelação. Mas vamos por partes.
    Quando a Netflix comprou os direitos de distribuição de 'Beasts of No Nation' deu o passo que faltava para se tornar uma referência em termos de oferta cultural e promoção dos melhores projectos. Tendo já várias séries originais, era isto que faltava - um filme Netflix, capaz de agitar as águas e a própria mecânica do consumo cinematográfico. A "ousadia" da Netflix originou polémica, e um boicote por parte de algumas distribuidoras, desagradadas com o facto da Netflix também integrar o filme na sua grelha de subscrição de video-on-demand.
    'Beasts of No Nation' é um grande filme. Dito de forma simples. Um daqueles que merece tudo de bom.
   O projecto realizado e escrito para o cinema por Cary Joji Fukunaga, a adaptar a obra que Uzodinma Iweala escreveu acabadinho de sair de Harvard, é extremamente completo, explora uma terrível realidade sob a perspectiva certa, tudo com uma dimensão visual impressionante. Mérito de Fukunaga, a conciliar ele próprio a Realização e Fotografia.
    Num país africano não identificado, a guerra civil e as confusões entre rebeldes e a força armada governamental tira a família ao jovem Agu (Abraham Attah), que consegue fugir. Sozinho, Agu acaba capturado pelos rebeldes mercenários da NDF, liderados pelo Commandant (Idris Elba), e é treinado como criança-soldado. Um dos pontos fortes de 'Beasts' é o facto de Fukunaga conseguir que a guerra seja sempre percepcionada e oferecida aos espectadores através do olhar - progressivamente menos inocente - de uma criança, visão de Agu e do seu amigo que nunca fala, Strika (Emmanuel Nii Adom Quaye).
    Há muitos pormenores que impressionam, que tornam 'Beasts of No Nation' uma obra-prima graças ao seu resultado conjunto. Tem a capacidade de abordar a realidade trágica sem medo e tabus como, por exemplo, 'Cidade de Deus', e carrega uma aura semelhante à de 'Blood Diamond' na paisagem e em parte no tema, embora transmita (e ainda bem, neste caso e para o efeito) uma menor mensagem de esperança. Despindo 'Beasts' nas suas várias camadas, comecemos por Fukunaga. Aos 38 anos já é indiscutível que o realizador norte-americano de raízes nipónicas é um dos mais promissores e talentosos jovens realizadores da actualidade, uma certeza para os próximos anos. Realizou 'Sin Nombre' e 'Jane Eyre', explodiu em termos de notoriedade ao realizar a 1.ª temporada de 'True Detective', e agora dá o passo seguinte certo ao confirmar o seu valor numa aposta pessoal e na qual volta a deixar a sua forte impressão e assinatura: novamente algumas cenas longas sem parar de filmar e cheias de adrenalina, homenageando o património natural de África e eternizando o filme através da simplicidade de uma adulteração cromática em tons de magenta.
    Mas, a reforçar o trabalho do realizador, há um elenco fantástico. De uma honestidade e autenticidade no ecrã que nos faz duvidar se estamos a ver um filme ou filmagens de um cenário de guerra verdadeiro, algo a destacar por tratar-se da estreia para muitos dos actores. Idris Elba, que apenas conhecemos por Commandant, um líder carismático, egoísta e ganancioso, manipulador (These are the ones that killed your father), corrosivo, falsa figura paternal, consegue uma interpretação poderosa como nunca antes tinha tido no Cinema, mas sim ao nível dos seus melhores trabalhos num par de séries televisivas. Em condições normais, pelo menos a nomeação para Melhor Actor Secundário deve estar garantida nos Óscares 2016.
    No entanto, embora Elba seja uma das bandeiras do filme com a sua pronúncia mudada, quem vê 'Beasts of No Nation' tem uma verdadeira revelação: Abraham Attah. Em 2013 muito se falou em Barkhad Abdi (inclusive nomeado para óscar por 'Captain Phillips'), mas Attah sim merece todo o reconhecimento porque é um case study muito mais acentuado - o casting de 'Beasts of No Nation' descobriu potencial num rapaz que estava a jogar à bola nas ruas do Gana e Abraham Attah, na pele de Agu, é "só" um dos melhores desempenhos de uma criança nos últimos anos largos de Cinema. Extraordinário olhar para ele no começo do filme, de sorriso aberto e a tentar vender as Imagination TV, e vê-lo nos últimos segundos de filme - 2 horas e 17 minutos (duração adequada, porque neste caso nada é acessório, e o tempo joga a favor da metamorfose) depois - retraído, a dizer-nos que não quer ser julgado como uma besta, um diabo, e a recordar-nos que em tempos já teve uma mãe, um pai, uma família.
 
    Confiem, 'Beasts of No Nation' pertence à nata de grandes filmes em clima de guerra. Oxalá a Academia seja capaz de avaliar 'Beasts' pelo que o filme é, pondo de parte polémicas e o facto de fugir à dinâmica normal de consumo cinéfilo. Fukunaga, Elba, Attah - três excelentes razões para verem a inocência desaparecer à frente dos vossos olhos num filme, numa palavra, poderoso.

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