15 de outubro de 2014

Crítica: Gone Girl

A CAMINHO DOS ÓSCARES 2015 
Realizador: David Fincher
Argumento: Gillian Flynn
Elenco: Ben Affleck, Rosamund Pike, Carrie Coon, Tyler Perry, Neil Patrick Harris, Kim Dickens
Classificação IMDb: 8.1 | Metascore: 79 | RottenTomatoes: 88%
Classificação Barba Por Fazer: 84

    Desta vez podemos dizê-lo sem rodeios e de forma unânime: cá está um filme que vale realmente a pena ir ver ao cinema. David Fincher, o homem que já fez videoclips para Madonna, George Michael, Billy Idol, Michael Jackson e The Rolling Stones (entre outros), é actualmente um dos reis contemporâneos na Arte de realizar um Thriller. Não podemos dizer que 'Gone Girl' seja a obra-prima de Fincher porque em 1999 realizou Fightclub, mas dentro do género policial/ drama/ mistério, este Em Parte Incerta (nome do filme nas salas de cinema portuguesas) é uma consequência natural de alguém que foi desenvolvendo a sua própria impressão digital com filmes como 'Se7en', 'Zodiac' ou 'The Girl with the Dragon Tattoo'. Este filme, magnificamente bem apoiado pela banda sonora de Atticus Ross e Trent Reznor e pela sua Fotografia e Edição, sabe ainda um pouco a 'Prisoners', filme de Denis Villeneuve no ano passado, e permite num exagero calculado chamar a David Fincher o Hitchcock dos tempos modernos.
     Mas tudo começa, neste caso, no Argumento. Gone Girl resulta da adaptação do livro com o mesmo nome, um best-seller nos EUA, produto da escritora Gillian Flynn. A magnífica imaginação de Flynn, capaz de explorar não só a essência do casamento através de jogos misteriosos e tenebrosos, mas cruzando também essa realidade com uma abordagem crítica ao modo como tudo é alvo dos media (tendo a imprensa a capacidade de ostracizar alguém ou elevá-lo a herói num abrir e fechar de olhos) é o ponto de partida para um bom filme. E certamente que o facto de ter sido a própria Gillian Flynn a adaptar para o grande ecrã o seu livro também ajudou. 
    'Gone Girl' começa no dia do 5.º aniversário de casamento de Nick Dunne (Ben Affleck) e Amy Dunne (Rosamund Pike). Nick dá conta do desaparecimento de Amy e reporta-o à polícia, acabando o caso por ganhar uma notoriedade mais ampla e acabando Nick como suspeito da morte da mulher. Mas será que foi ele - o homem que não se sabe comportar "adequadamente" enquanto a mulher está desparecida - quem a fez desaparecer? Ao longo do filme o espectador é levado a criar progressivamente os seus próprios juízos, com a narrativa a evoluir em 2 realidades temporais - acompanhamos a investigação do caso no presente, enquanto somos confrontados com vários flashbacks contados por Amy, escritos no seu diário, e referentes à evolução da sua relação com Nick.
    Por entre os meandros de um casamento aparentemente saudável, Fincher e Flynn levam-nos numa viagem com curvas e contra-curvas, com pontos de interrogação e de exclamação, numa construção progressiva e metódica das personagens-chave e no verdadeiro puzzle que é, não só o crime central, mas também o casamento de Amy e Nick Dunne. Uma relação alimentada por enigmas criados por um casal de escritores (é reveladora, neste sentido, a cena em que os dois se conhecem), prejudicada pelo contexto (ambos ficam desempregados por via da crise economico-financeira) e por uma série de condicionantes e vicissitudes características da vida a dois.

    O enredo, que embora ligeiramente previsível acaba por ser envolvente e cativante, poderia ter apenas um final diferente mas isso não anula os 149 minutos bem passados. Ao longo da história são ainda chamados a cena a irmã de Nick, Margo (Carrie Coon), um ex-namorado de Amy chamado Desi (Neil Patrick Harris) e há ainda o actor Tyler Perry como advogado de Nick Dunne. Um filme negro (típico no trabalho de Fincher, o homem que excede os impossíveis a gravar takes por cena), inteligente e em que - para além do bom trabalho de Fincher e da boa cabeça de Flynn - há uma actriz que chama a si as atenções. Rosamund Pike, no papel de Amy Dunne, a mulher desaparecida, surpreende e entra perfeitamente numa personagem que, por si só, já continha bastante potencial. É muito provável que a vejamos no quinteto de nomeadas para Melhor Actriz em breve. Todo o casting parece adequado (inclusive Ben Affleck, que é melhor realizador e argumentista do que actor, encaixa bem num papel que de facto não pedia um enorme actor) e o próprio Marketing contribuiu para o galopante interesse que 'Gone Girl' reuniu à sua volta - podíamos falar do trailer com a música 'She', dos vários posters com "provas" ou ainda de uma excelente imagem de Pike e Ben Affleck numa mórbida reedição de uma célebre fotografia de John Lennon e Yoko Ono.

    Foi bem escrito, foi bem realizado, é bem interpretado e está bem pensado praticamente de uma ponta à outra. 'Gone Girl' é entretenimento garantido, fazendo-nos pensar, ajuizar e incriminar quem achamos ser o arguido final e, embora ainda falte bastante, podemos esperá-lo em várias categorias dos Óscares 2015: Rosamund Pike deverá constar entre as candidatas a Melhor Actriz, Gillian Flynn deverá ver o seu Argumento Adaptado reconhecido, David Fincher e o próprio Filme poderão também receber nomeações, e ainda sobram hipóteses técnicas (banda sonora e outras categorias sonoras, edição ou fotografia). Resume-se tudo, por fim, num olhar de Amy, captado pela perspectiva de Nick, e que representa na totalidade a personagem feminina, a estrela de um filme como devia haver mais.
    O crime e a história perfeita, porque muitas vezes a nossa própria realidade é uma ficção.

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