6 de setembro de 2015

Revisão: 'Mr. Robot'

Criado por
Sam Esmail

Elenco
Rami Malek, Carly Chaikin, Martin Wallström, Portia Doubleday, Christian Slater, Frankie Shaw, Michael Gill, Gloria Reuben, Stephanie Corneliussen, Elliot Villar, BD Wong

Canal: USA

Classificação IMDb: 8.7 | Metascore: 79 | RottenTomatoes: 98%
Classificação Barba Por Fazer: 91


- Abaixo podem encontrar Spoilers - 
A História: 
    Hello friend. Foi com estas duas palavras que começou a melhor série do actual panorama televisivo mundial, o justo herdeiro de 'Breaking Bad'. Coube à namorada de um de nós, que tem um registo inigualável a descobrir boas séries, acreditar no potencial de 'Mr. Robot' ainda antes do episódio-piloto circular. Embora só tenha arrancado no USA Network no final de Junho, o piloto foi lançado online em Maio, fez companhia a vários filmes ao estrear no festival SXSW, e ainda antes de estrear o primeiro episódio na televisão, já tinha sido dado o aval para a segunda temporada. O USA, canal de 'Suits', confia total e cegamente em Sam Esmail, e há-de conseguir aproximar-se de monstros como a HBO ou a Netflix com esta aposta. Para perceberem o nível da coisa, 9.1 no IMDb é injusto, porque devia estar melhor classificado.

    Na fantástica cabeça do criador Sam Esmail começou um projecto com vista a ser um filme. No entanto, a quantidade de pormenores e potencial para alongar a história converteu 'Mr. Robot' numa série, com a 1.ª temporada a servir como primeiro acto da narrativa. Com influências de 'American Psycho' e 'Taxi Driver', da realização de Kubrick e, claramente, de 'Fight Club' (positivo e refrescante Esmail admitir estas influências, homenageando-as com respeito e criatividade ao mesmo tempo que inova com um produto final perfeito), a premissa inicial era a seguinte: Elliot Alderson (Rami Malek) trabalha numa empresa de segurança informática, a Allsafe, enquanto que à noite é um hacker que procura "salvar o mundo", combatendo a sua solidão e inaptidão social. Elliot, que tem vários problemas mentais, é então atraído por um anarquista, Mr. Robot (Christian Slater), que coordena a fsociety, uma pequena equipa de hackers revolucionários que querem destruir a E Corp (perdão, Evil Corp), um dos maiores conglomerados corporativos, cliente da Allsafe, apagando toda e qualquer dívida na sociedade.
    A ideia tinha potencial, mas de potencial rapidamente passou a certeza. São infinitos os pormenores (tantas pequenas coisas que nos são mostradas e que ganham sentido posteriormente) que tornam 'Mr. Robot' uma série de culto. Primeiro, a forma como Elliot fala connosco. Assim como Frank Underwood fala com o espectador em pensamentos privados em 'House of Cards', 'Mr. Robot' passa-se em grande medida na cabeça de Elliot. Tudo o que ele descobre, descobrimos com ele, por vezes antes até, e o modo como nós (espectadores) somos o amigo com quem ele fala, torna-o automaticamente alguém com quem temos empatia, ultrapassando a fronteira da sua incapacidade em estabelecer relações através da forma como nos confidencia as suas opiniões sobre as pessoas que o rodeiam e sobre a sociedade em geral.
    Depois, as personagens são incríveis. Desde as principais às que orbitam ocasionalmente no universo de Elliot. A isso junta-se: uma Realização e Fotografia com assinatura própria (o enquadramento e os planos usados não demorarão a tornar-se uma referência e inspiração), tornando cada episódio uma verdadeira obra-prima (aqueles inícios, meu deus); o rigor técnico na exploração do sub-mundo hacker; uma banda sonora que ajuda várias cenas a tornarem-se mais marcantes, embora o cerne e mérito esteja mesmo na história e nas personagens. Para além de Elliot há então: Mr. Robot com o qual o protagonista desenvolve uma relação.. peculiar; Angela, a melhor amiga de infância que quer singrar no mundo empresarial; Darlene, elemento da fsociety, com um look cool e mais próxima de Elliot do que inicialmente parece; Tyrell Wellick, um Patrick Bateman dos tempos modernos, executivo na Evil Corp, empresa da qual quer ser CTO. Estas 4 personagens e meia são o esqueleto de 'Mr. Robot', enriquecidas depois por Joanna, Fernando Vera, Shayla, Whiterose e Krista. 
    
A Personagem: Elliot Alderson (Rami Malek).
    Em 2016 temos esperança que 'Mr. Robot' varra tudo o que seja Emmys. E será absolutamente criminoso se não for dado a Rami Malek o devido crédito pela forma como soube dar corpo ao que Sam Esmail criou. O hoodie preto, os grandes olhos a fitarem-nos de forma hipnotizante e o maxilar bem definido acompanham-no numa das melhores cenas de introdução de uma série e de um protagonista (depois do seu monólogo inicial, o diálogo com Rohit no cibercafé).
    Elliot Alderson é a voz desta geração. Descrente em redes sociais e no materialismo, com uma rotina de morfina e suboxone em momentos de crise, juntando a tudo isso alucinações, fobia social, ansiedade e.. distúrbio de identidade dissociativa. Elliot projecta o pai, mas assume também ele próprio outro lado, quando Mr. Robot está no ecrã sem Elliot, em circunstâncias nas quais normalmente não teria coragem. É quase um herói de banda desenhada - o tom da série, o bom uso da cidade de Nova Iorque e a realização ajudam a transmitir essa sensação de que estamos a folhear as vinhetas -, capaz de nos entrar na cabeça como nós entramos na dele. Elliot Alderson é o Zeitgeist. Louco. Paranóico. Capaz de encontrar toda a gente online menos ele próprio, e senhor de um extremo bom gosto musical, considerando o seu "portefólio".
    O protagonista está num patamar acima de qualquer outra personagem, mas Tyrell Wellick é aquele tipo de antagonista do qual é impossível não gostarmos e inclusive torcermos por ele. Esmail fugiu ao protótipo para o qual Tyrell parecia estar concebido - o vilão clássico, a subir na hierarquia sem olhar a meios -, fazendo-o fracassar consecutivamente. O verdadeiro vilão de 'Mr. Robot' é inclusive guardado até ao fim, com o CEO da Evil Corp, Phillip Price, a ter maior preponderância nos dois episódios finais. Voltando a Tyrell, a relação com Joanna (ele a falar sueco, ela a falar dinamarquês) é um dos pontos fortes, bem como duas cenas-chave: no terraço ao som de FKA twigs, e na introdução do episódio 3 num momento doentio com um mendigo. Mas uma boa série faz-se de boas e diferentes personagens: Darlene, Angela, Fernando Vera, a desnaturada Shayla com os seus diferentes penteados, as duas caras de Whiterose e a psicóloga de Elliot, Krista, apimentam o leque.
    

O Episódio: 08 'wh1ter0se.m4v'.
    A qualidade desta primeira temporada, com a melhor nota que já demos aqui no Barba Por Fazer nas nossas Revisões, mantém-se homogénea do princípio ao fim. A consistência é impressionante. Poder-se-ia perfeitamente destacar o episódio 9 ou 6, e mesmo a finale, mais preocupada em preparar terreno e servir de transição, fica marcada por um discurso épico de Mr. Robot em Time Square.
    Assim, a dúvida final teria que ser entre o episódio-piloto e o oitavo ('wh1ter0se.m4v'). No piloto, 'hellofriend.mov' (sim, todos os episódios têm nome de ficheiros), a fasquia fica altíssima, mas marca o nível que a série vem a apresentar depois no seu conjunto. O contributo de Niels Arden Oplev foi importante, embora seja perceptível que tudo na série passa por Esmail, mais envolvido no seu projecto que muitos pares de profissão. Se o episódio 1 é a apresentação perfeita, e quanto a nós o melhor episódio-piloto de todas as séries que já vimos, 'wh1ter0se.m4v' é o ponto mais alto.
    Um começo intrigante com Darlene e Angela, a conversa de Elliot com Whiterose, a continuidade do percurso de Tyrell, mas principalmente aqueles 10 minutos finais. Desde a revelação com Elliot e Darlene (boa e suave ligação com o episódio 4), a uma confirmação anunciada (You knew all along, didn't you?) ao som de M83. Ao espelho, Elliot vê o seu reflexo, mas também o de Mr. Robot, de Tyrell, de Darlene, de Angela, a máscara emblemática da fsociety, clara alusão ao grupo Anonymous, e ainda o reflexo do criador Sam Esmail. Um pormenor de luxo, num mar infinito. A realidade, o que é real e o que não é, será sempre esse o coração de 'Mr. Robot'.


O Futuro: 
    Podemos pôr as mãos no fogo no que toca à capacidade criativa de Sam Esmail. O criador de 'Mr. Robot' (que já teve duas cameos na série, nos episódios 1 e 8) já disse que procurará manter o respeito pela história central, sem derivar para caminhos acessórios como muitas séries fazem, referindo a abordagem de Gilligan em 'Breaking Bad' como exemplo. Esta 1.ª temporada foi uma contextualização longa - se 'Mr. Robot' fosse um filme, agora é que começaria a acção a sério - e é bom verificar que Esmail se sentiu aliviado quando o paradigma Elliot/ Mr. Robot foi revelado em definitivo (para muitas séries aquilo seria um segredo guardado até ao final, nesta há confiança suficiente no restante para desvendar cedo). Segundo Esmail, 'Mr. Robot' deverá durar 4 ou no máximo 5 temporadas.
    O que é que aí vem agora? Apenas é sabido que Joanna Welick (Stepanhie Corneliussen, rosto publicitário de 'American Horror Story: Asylum') irá ter um papel mais importante na segunda season, e que se nesta houve a dinâmica Tyrell-Joanna, na próxima será mais Tyrell-Elliot, no que diz respeito à personagem do actor Martin Wällstrom.
    Tudo o que 2016 nos trará passará inicialmente por quem estava a bater à porta do apartamento de Elliot, pelo paradeiro de Tyrell Wellick, e pela identidade do autor responsável pelo ataque na opinião do CEO da Evil Corp (Elliot ou Tyrell). Os dados parecem lançados para Angela se transformar bastante, e oxalá que Fernando Vera, Whiterose e Krista continuem a aparecer, mesmo que pontualmente. A cena final, sem contar com a pós-créditos do episódio 10, dá a entender que o lado Mr. Robot aka Tyler Durden tomou conta de Elliot, o que poderá ter consequências interessantes. Será lógico que ao longo das próximas temporadas percebamos melhor o passado de Elliot com a mãe e o destino desta, a razão de Elliot ser obrigado a cumprir sessões com Krista e os verdadeiros interesses/ planos de Tyrell e Joanna em relação à Evil Corp.
    Só é pena termos que esperar quase 1 ano, mas 'Mr. Robot' é isto: um símbolo urbano, uma série pertinente e de acordo com a revolução digital, capaz de viciar espectadores e de os fazer pensar, conspirar e criar teorias. E com a quantidade de pormenores que tem, apanham-se sempre mais na segunda vez que se vê cada episódio. Porque cada episódio é como uma manhã de Natal.

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