5 de agosto de 2016

Revisão: 'Preacher'

Criado por
Sam Catlin, Seth Rogen, Evan Goldberg

Elenco
Dominic Cooper, Ruth Negga, Joseph Gilgun, Ian Coletti, Graham McTavish, Lucy Griffiths, W. Earl Brown, Tom Brooke, Anatol Yusef

Canal: AMC

Classificação IMDb: 8.1 | Metascore: 76 | RottenTomatoes: 89%
Classificação Barba Por Fazer: 81


- Abaixo podem encontrar Spoilers - 
A História: 
    A estranha prova da qualidade de 'Preacher' é que, passados os primeiros 4 episódios, não sabemos bem aquilo que estamos a ver - por ser tão original, novo, com um estilo tão próprio - mas só queremos continuar a ver. O padre possuído por uma entidade sobrenatural, criado no universo das BD's por Garth Ennis e Steve Dillon, ganhou o seu espaço na AMC (Breaking Bad, Mad Men, Better Call SaulThe Walking Dead) por obra e graça de três senhores - os amigos de infância e parceiros de comédia Seth Rogen e Evan Goldberg, e Sam Catlin, produtor e argumentista de 'Breaking Bad', que chegou a realizar 1 episódio na série/obra-prima de Vince Gilligan.
    Embora não sejamos conhecedores e leitores dos comics, o consenso público é que a série se afasta um pouco ou reinterpreta as pranchas e vinhetas da Vertigo, revelando-se no entanto capaz de construir algo novo, que respeita a vibe bizarra mas entusiasmante das personagens e de todo o universo 'Preacher', com pequenas nuances ou diferenças que tornam o material novo tanto para quem nunca tinha lido as bandas desenhadas como para os maiores fãs. Está lá tudo, mas como nunca esteve.
    Em 'Preacher' há vampiros irlandeses, um par de anjos com chapéus de cowboys e um rapaz, literalmente, com "cara de cu". O resultado de toda esta conjugação é uma série que promete marcar os próximos anos, aproximando-se do nível que a parceria Marvel-Netflix tem conseguido, mas neste caso com um tom totalmente diferente. Singular. Visualmente a série é fortíssima, ambiciosa e sem medo de arriscar, sangrenta mas repleta de humor. É difícil encontrar por aí uma série que logo na sua primeira temporada sabe tão bem aquilo que é, com realizadores que sabem o que estão a fazer (pequenos pormenores, raccords e afins) ou não fossem alguns deles "alunos" de 'Breaking Bad', uma escola devidamente homenageada e referenciada (Pinkman em BB, os anjos em Preacher).
    Falando da narrativa propriamente dita, mantenham a mente aberta. Jesse Custer (Dominic Cooper) é um padre que começa a perder a fé até ser possuído por uma força chamada Genesis, que o dota da capacidade de obrigar os outros a fazerem aquilo que ele disser. Em pleno Texas, um vampiro irlandês, Cassidy (Joseph Gilgun), uma das personagens mais cool dos últimos anos, torna-se o melhor amigo de Jesse, com a ex-namorada do padre, Tulip (a fantástica Ruth Negga) a trazer para a vida do protagonista o seu passado e várias contas por ajustar.
    São sensacionais os implantes que a série - que, de certa forma, acaba por ser uma prequela ou um setup para os acontecimentos das BD's - faz ao longo dos 10 episódios, em sequências fragmentadas que ganham sentido à posteriori, com uma notável qualidade de escrita e produção, que liga o trio principal a outras personagens: Eugene, um rapaz, filho do xerife local, que ao falhar um suicídio ficou com "cara de cu", Fiore e DeBlanc, dois anjos pitorescos enviados para remover o Genesis de Jesse, ou Saint of Killers, um cowboy num tormento ou pesadelo perpétuo.
       'Preacher' não é para toda a gente, mas é sem dúvida alguma refrescante, único, carregado de criatividade e, talvez o mais importante, quase todas as suas personagens são brutais.
    
    
A Personagem: Eugene Root "Arseface" (Ian Colletti).
    É mesmo muito difícil eleger a melhor personagem nesta primeira temporada de 'Preacher'. Mesmo as pequenas participações têm destaque (a mortífera Susan ou o meio-surdo Donnie), e embora para nós o lead Jesse não entre nesta discussão, são vários os que orbitam à sua volta que entram - Tulip, Cassidy, Eugene, os anjos e Saint of Killers.
    Preso no seu ciclo de sofrimento, Saint of Killers (Graham McTavish) é introduzido aos poucos, e será importantíssimo nas próximas temporadas, mas é para já pouco mais do que uma personagem cheia de estilo. Já os anjos, Fiore e DeBlanc, são... simplesmente incríveis. A dupla composta pelos actores Tom Brooke e Anatol Yusef trabalhou na perfeição, funcionando como comic relief com o seu carácter desajeitado, pouco experiente e extremamente equilibrado (DeBlanc mais sério, Fiore adorável e vulnerável). Podíamos perfeitamente entregar a esta dupla o estatuto de "A Personagem" desta season 1, só que há ainda Cassidy, Tulip e Eugene. Cassidy, o vampiro que não gosta de 'The Big Lebowski' e que tem sempre uma tirada pronta para nos desmanchar, será porventura o principal favorito dos fãs da série, com o actor Joseph Gilgun (Misfits) a revelar-se uma escolha inteligente.
    Relativamente a Tulip, que nas bandas desenhadas é loira, devemos todos estar gratos pela adaptação que Rogen, Goldberg e Catlin decidiram fazer, entregando a Ruth Negga, de raízes etíopes e irlandesas, um papel e uma personagem que mudam uma carreira. Tulip é uma das melhores personagens femininas desta década de Televisão, forte, implacável (aquele olhar...), independente e sedutora.
    Mas, apesar de ficarmos angustiados por não dar este destaque a Tulip ou Cassidy, Eugene "Arseface" merece-o. Como o Complex.com escrevia em Maio passado, "acertar" com Arseface, traduz a capacidade que a AMC teve de acertar em 'Preacher'. O filho do xerife é por vezes o centro moral da história, e sempre uma lembrança física e evidente do seu passado. O trabalho de caracterização (demora 2 horas em cada dia de set criar aquela boca) ajuda Ian Colletti, que conseguiu construir uma personagem com a qual é facílimo criar empatia. E a referência aos Nirvana, significativa nas BD's, surge no seu cacifo. Pormenores para os fãs, mas não só.


O Episódio: 06 'Sundowner'.
    Os últimos dois episódios são bastante bons, a finale ao lançar a segunda temporada, destruindo grande parte da primeira, e o penúltimo episódio ao ligar Ratwater (sensacional, embora talvez extenso demais, aquele loop de Saint of Killers) a Annville.
    No entanto, se há episódio que marca a temporada é o sexto. Afinal, tem tudo aquilo que 'Preacher' é: imprevisibilidade, intensa ligação às personagens, boa cinematografia, sangue e comédia. Começa com uma das melhores sequências pré-genérico da série, com Jesse, Fiore e DeBlanc a enfrentarem Susan num mar de corpos ressuscitados; inclui uma boa dinâmica Jesse-Cassidy e uma pequena amostra da tensão que está para vir dentro do triângulo principal, e depois escala abruptamente no fim com a cena de Jesse com Eugene - a arrogância de Jesse, em contraponto com a simplicidade e consciência ética e moral de Eugene em relação à religião e ao livre arbítrio de cada um de nós.
    No final do episódio, e depois de uma das várias excelentes transições que a série nos deu, fica claro: 'Sundowner' é o episódio que agarra os espectadores, e que nos mostra que já sofremos com aquelas personagens.


O Futuro: 
    Agora é que a aventura vai começar. A road trip de Jesse, Tulip e Cassidy arrancou nesta season finale, e promete! A missão do trio é "simples": encontrar Deus. Por outro lado, e depois de dizermos adeus a várias personagens das quais não iremos sentir propriamente grandes saudades, teremos mais Saint of Killers a seguir o trilho do trio, com o objectivo muito claro de matar Jesse Custer.
    O produtor Sam Catlin já revelou que o vilão Herr Starr, e com ele a organização secreta O Graal, fará parte da nova temporada, que terá 13 episódios. Agora resta-nos aguardar, embora haja algo indiscutível: 'Preacher' não é uma série para agradar a toda a gente, mas para quem entre no espírito da coisa. Um muito bom trabalho de Sam Catlin, Seth Rogen e Evan Goldberg, e de toda a restante equipa envolvida. Fazer boa televisão implica muitas vezes riscos. Fazer bem 'Preacher', com o seu leve gore, implica mais.

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