28 de julho de 2014

Mundial 2014: Vencedores e Derrotados

O Mundial 2014 terminou e, na despedida final, fazemos uma avaliação de quem saiu da competição com motivos para sorrir ou para chorar. 
    Nesta análise amplificada consideramos não só elementos com ligação directa ao que aconteceu em solo brasileiro - o futuro diferente que James Rodríguez escreveu para si ou o meritório trabalho que tem que ser reconhecido à selecção alemã - bem como, de forma mais indirecta, coisas que este Mundial nos deixa: a valorização de determinados campeonatos ou de um certo esquema de jogo. 
    Temos assim os Vencedores e Derrotados deste Mundial:

Mannschaft

    A vitória alemã foi incontestável. Venceu a equipa que melhor funcionou como um todo – onde todos os jogadores sabiam o que fazer, embora com elementos como Müller, Kroos, Lahm, Neuer e Hummels a destacarem-se dos seus pares. Já há muito se dizia que esta geração tinha tudo para ganhar e foi desta que o conseguiram, ficando para a História dos Mundiais a forma como a Alemanha atropelou o anfitrião Brasil por 7-1. Em todo o caso o que importa salientar neste caso é que esta foi uma vitória do tempo, do processo e do planeamento. Esta Alemanha não surgiu do nada, foi construída ao longo de anos e anos, com uma reformulação estratégica na formação e da percepção do que é o próprio jogador alemão. Löw teve matéria-prima de alta qualidade ao seu dispor, não pôde contar com jogadores como Reus e Gündogan mas afinou uma máquina que conciliou o bom futebol com o ADN alemão. É caso para dizer que todas as selecções – Portugal e Brasil, por exemplo – deviam olhar para o exemplo alemão, assim como a Alemanha não teve problemas em seguir os passos que levaram a Espanha à sua hegemonia terminada neste Mundial.

La Roja

    Já que estamos a falar na selecção de Espanha, é inegável que esta saiu pela porta pequena. Humilhada pela Holanda, magnificamente anulada e derrotada pelo Chile de Sampaoli, a campeã do Mundo e bicampeã da Europa ficou-se pela fase de grupos. Jogadores como Casillas e Piqué estiveram anedóticos e Del Bosque não conseguiu encontrar a fórmula certa para combinar tanto talento. O tempo passou pela Espanha, que não apresentou qualquer chama e determinação neste Mundial, embora seja provável que em 2016 nuestros hermanos tenham novamente uma palavra a dizer no Euro juntamente com Alemanha, Holanda, a anfitriã França e a mais madura Bélgica. E sim, ainda haverá Itália, Portugal e Inglaterra.

Guarda-Redes

    Indiscutivelmente este foi um Mundial que valorizou o homem com luvas. Parece um contra-senso considerando que foi uma competição com 171 golos marcados – igualando o máximo anterior que se registara no França’98 -, mas o que é certo é que em solo brasileiro houve exibições monumentais de GR, defesas impossíveis e Manuel Neuer deixou uma marca importante na forma como demonstrou aquilo que um guardião tem que ser no futuro – dependendo da equipa claro e da sua forma de jogar, um GR tem que se considerar o último defesa e ajudar sendo o primeiro a construir (as reposições e lançamentos, com o pé e com a mão, o passe ao primeiro toque, fazem a diferença entre um GR de equipa pequena e grande). Manuel Neuer recuperou o estatuto de melhor guarda-redes do mundo; Tim Howard estabeleceu um recorde de defesas num jogo do Mundial (16 contra a Bélgica); Ochoa, Ospina, Romero e M’Bolhi brilharam todos em diferentes momentos e Keylor Navas (Costa Rica) terá sido mesmo o guarda-redes mais consistente e com maior impacto individual no incrível caminho da sua selecção – homem do jogo contra Inglaterra, Grécia e Holanda.
    Keylor Navas contra Grécia e Holanda, Neuer contra a Argélia, Ochoa contra o Brasil, Tim Howard contra a Bélgica – jogos para mais tarde recordar.

3-5-2

    A táctica é um esqueleto, uma forma de organização e referência, culminada e dependente sempre do que os jogadores fazem. É forma de equilíbrio, de estudo, representativa da preparação e sempre valorizada (ou não) da estratégia para cada jogo. José Mourinho disse há anos que acreditava que o 3-5-2 seria a táctica do futuro. Têm que se admirar os visionários do futebol, os que antecipam comportamentos com anos de distância e aqueles que mudam paradigmas e reinventam o desporto (menção a Guardiola, neste caso). O 3-5-2 acabou por sair valorizado deste Mundial, numa época em que a esmagadora maioria das equipas no futebol europeu se estrutura num 4-2-3-1 ou em 4-3-3. Louis Van Gaal deve ser considerado como o porta-estandarte: olhou para a sua Holanda, percebeu como podia ganhar segurança, equilibrar a equipa e libertar elementos como Robben, Sneijder e RVP, e a sua Holanda foi o verdadeiro caso de estudo táctico que fica deste Mundial. A reforçar este modelo houve ainda o Chile de Sampaoli – que só contra a Austrália, na jornada inaugural, jogou de outra forma; o México do piojo Miguel Herrera e, embora numa disposição muito mais aproximada de um 5-4-1, a Costa Rica trilhou também o seu caminho com enorme organização, consciência e coragem. Faz sentido colocá-la neste lote por tudo começar numa defesa também com 3 centrais.
    Claro que não há esquemas iguais. Na Holanda vimos aquilo que em campo se materializava num 3-4-1-2 com um dos centrais muito mais posicional (Vlaar), enquanto que no México o líbero (Rafa Márquez) era o primeiro a participar no processo de construção, projectando os alas Layún e Aguilar muito mais do que por exemplo fazia o Chile.
    É possível que vários treinadores repensem as suas equipas depois deste Mundial. É mais fácil, pelo menos para equipas ambiciosas e de topo, adoptar um esquema assim numa competição curta do que num campeonato. Pelo que se viu até agora nesta pré-época, Van Gaal parece estar a levar o seu 3-4-1-2 para Manchester e, verdade seja dita, é o único modelo que permite retirar o melhor de Rooney, Mata e Van Persie, sem desequilibrar a equipa.

Scolari e Futebol Brasileiro

    Se a Alemanha saiu vitoriosa, a vários níveis, deste Mundial, a canarinha ainda estará a tentar recalcar o trauma. A postura alegre da selecção mais vezes campeã do mundo caiu num estado de depressão. Scolari – um motivador, um mestre na condução de homens mas não de jogadores de futebol, baseando-se na fé e na crença no talento individual – viu-se derrotado, ultrapassado frente a equipas muito melhor preparadas. A lesão de Neymar Jr. ou a ausência de Thiago Silva contra a Alemanha estão longe de servir de desculpa porque o problema brasileiro é estrutural. É evidente que houve falhas individuais: Dani Alves foi uma sombra, Fred (um dos protegidos, das teimosias de Scolari) foi pior que uma sombra e contra a Alemanha, num total desnorte, viu-se David Luiz – até aí um dos melhores da competição – a perder totalmente o controlo emocional. Tudo isto teve, ainda assim, na sua base a falta de organização em campo, a sobranceria ao praticamente não se preparar para o jogo do adversário (contra México, Chile e sobretudo Alemanha foi evidente). O Brasil precisava de uma reformulação a vários níveis e sinceramente com Dunga dá a ideia de que a canarinha passou do Mestre para um anão menos qualificado. Mas não é com anões que o Brasil vai lá, e ficou a ideia de que um seleccionador europeu poderia ser útil neste processo.

James Rodríguez

    El Bandido James Rodríguez foi o jogador que mais encantou nos 5 jogos que disputou. Deixou uma marca forte contra qualquer adversário, assumiu sempre a sua equipa sem medo e surpreendeu ao consagrar-se o melhor marcador (6 golos). No final, depois de sair devidamente homenageado por David Luiz, disse que o seu sonho era jogar no Real Madrid. Conclusão: o 10 do Real Madrid está entregue, fazendo companhia a Ronaldo, Bale, Benzema, Modric e Toni Kroos, e reforçando a ideia de que Di María abandonará o Bernabéu. E neste mundo só o Real seria capaz de deixar Ángel escapar.

Liga Mexicana, Colombiana e da Costa-Rica

    Num defeso hipervalorizado, todos os clubes tentarão encontrar as melhores opções ao melhor preço. O Mundial acabou por reforçar a boa prospecção que o Porto fez nos últimos anos, antecipando-se neste caso ao que se poderá tornar norma, uma vez que depois deste Brasil’2014 os clubes europeus vão olhar com outra atenção para a liga mexicana, para o futebol colombiano e inclusive para o futebol da Costa Rica. A Liga Mexicana saiu valorizada pela elevada quantidade de jogadores locais que M. Herrera chamou (Aguilar, Layún, Vázquez, Peralta, Salcido ou Maza Rodríguez são exemplos disso), tendo ainda um equatoriano a contribuir para esta ideia – Enner Valencia jogava no México (Pachuca) e transferiu-se entretanto para a Premier League, para o West Ham, depois de ser uma das revelações do torneio. A boa prestação da Colômbia levará os olheiros a tentarem descobrir o próximo James Rodríguez, e a presença de valores como Tejeda e Umaña no seu campeonato local, no Saprissa da Costa Rica, terão feito com que a pátria de Keylor Navas, Bryan Ruiz e Joel Campbell fique mais no mapa do que até aqui.

Luis Suárez

    Depois de uma Premier League para a qual todos os elogios seriam poucos, Suárez chegou ao Mundial a poder dizer com legitimidade que era o jogador que mais se aproximava neste momento do nível de Messi e Ronaldo. No entanto, Suárez chegou como 3.º melhor do mundo mas saiu como caso clínico e do foro psicológico indesculpável. Após um ano exemplar na Premier, Suárez voltou a morder (pela 3.ª vez na sua carreira) e a FIFA penalizou-o e bem. Ainda pudemos ver o seu brilhantismo contra a Inglaterra mas a sua 3.ª dentada ajudou a que o Liverpool libertasse para Barcelona um dos jogadores marcantes da História de Anfield. Não faria sentido continuar a iniciar a Premier League sem poder contar com o melhor jogador (já no ano passado o Liverpool não contou com Suárez nas primeiras 5 jornadas após ter mordido Ivanovic no fim da época anterior; e esta época seriam ainda mais jogos) e por isso o ombro de Chiellini terá catalisado a transferência. Somos fãs absolutos do futebol e do génio que é Luis Suárez, mas este seu comportamento recorrente não tem desculpa… e é estranho.

Louis van Gaal

    Neste caso, não há muito a dizer. Van Gaal foi o melhor seleccionador deste Mundial e conseguiu combinar a ousadia de escolher um esquema e de o trabalhar, depois de analisar bem as características de todos os seus jogadores, com a forma como soube sempre ler bem o jogo no seu decurso, mexendo com ele a partir do banco e lançando praticamente sempre as cartas certas. O Manchester United tinha sido fortemente elogiado em 2010 quando se antecipou a toda a concorrência e contratou Chicharito antes deste brilhar e mostrar-se ao mundo pelo México, mas desta vez o brilhantismo dos red devils foi muito mais significativo ao convencer um dos melhores treinadores da actualidade a assumir o comando de Old Trafford, vinculando-se antes do Mundial. Sir Alex Ferguson tem, finalmente, sucessor.

Arbitragem

    No final acabou quase sempre por prevalecer o bom futebol, mas o Mundial 2014 não deixa de ficar manchado por alguns erros de arbitragem. A coisa não começou famosa logo no jogo inaugural com o árbitro a ir na cantiga de Fred (simulação) e houve mais episódios: o México viu 2 golos limpos serem-lhe anulados contra os Camarões, o Irão teve fortes razões de queixa contra a Argentina, Dzeko poderia ter começado a ganhar contra a Nigéria se não fosse o árbitro intervir mal, Portugal foi prejudicado – embora a justificação esteja longe de ser essa – frente à Alemanha, a dentada de Suárez passou incólume. Na fase a eliminar houve, felizmente, bastantes menos erros, acabando por passar sempre a equipa que mais mereceu pelo jogo jogado. Apenas os nigerianos poderão guardar algum rancor da arbitragem contra a França e a Costa-Rica provavelmente não teria que ter ido ao prolongamento diante da Grécia se tudo tivesse sido bem ajuizado.

Klose e Müller

    Num Mundial com vários recordes – pessoais e colectivos -, Miroslav Klose conseguiu porventura o mais emblemático de todos. Em casa de Ronaldo “Fenómeno”, o avançado alemão de origem polaca marcou 2 golos e tornou-se o melhor marcador de sempre de Mundiais com 16 golos. Importa incluir Thomas Müller na equação porque o camisola 13 da Alemanha voltou a marcar 5 golos, tal como fizera em 2010 quando foi melhor marcador e melhor jogador jovem, e tem neste momento 10 golos… tendo apenas 24 anos. Quer isto dizer que poderá muito bem ser Müller a ultrapassar o recorde do compatriota Klose. É bem possível que Müller jogue em 2018 e 2022 (e 2026 se seguir o exemplo de Klose em termos de longevidade) e por isso tem ainda bastante tempo para marcar 7 golos que o deixem no topo. Caso mantenha a média apresentada até agora, teríamos novo recorde no decorrer do Mundial 2022.

Eredivisie

    Graças ao trabalho de Louis Van Gaal, o futebol holandês tornou-se alvo da cobiça dos maiores clubes europeus. O facto da Holanda contar com jogadores jovens e a menor dimensão dos clubes holandeses no actual panorama em termos de competições europeias originou para já Martins Indi no Porto, Janmaat no Newcastle e há vários outros jogadores da liga local que despertam neste momento interesse: Daley Blind é pretendido por Manchester United e Barcelona, De Vrij estará também na lista de compras do seu seleccionador bem como de alguns clubes italianos e ainda há jovens valores como Clasie, Depay e Wijnaldum. Mesmo entre os jogadores que já jogavam fora de portas, desta Holanda Vorm já mudou (sem grande nexo, por haver Lloris) do Swansea para o Tottenham, mas há ainda vários jogadores que podem trocar de emblema ao peito, tais como Vlaar e Sneijder.
    O talento combinado com o menor valor de mercado já fez vários outros elementos – estrangeiros ou holandeses não-convocados – viajar neste defeso: Finnbogason assinou pela Real Sociedad, Graziano Pellè seguiu Koeman para o Southampton, que também garantiu o espectacular Dusan Tadic. O capitão do Ajax, Siem de Jong, vai espalhar classe na Premier League ao serviço do Newcastle, e novos valores aparecerão fruto da boa escola holandesa – Klaassen vai continuar a crescer, e ainda ontem o jovem dinamarquês Lucas Andersen mostrou-se no Estádio da Luz na Eusebio Cup. 

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