21 de março de 2017

A Chicotada Psicológica compensa no Futebol Português?

Muito se despedem treinadores em Portugal. Mas faz sentido? As equipas salvam-se de descer por mudarem de treinador? Alcança-se a Europa e foge-se à banalidade por arriscar e acreditar num novo homem do leme?
    Verdade seja dita, estas contas só deviam ser feitas em Maio, quando a Liga NOS acabar. No entanto, e depois de Arouca e Nacional dizerem adeus aos segundos treinadores que tiveram esta época, e pouco tempo depois do Moreirense despedir Augusto Inácio depois deste ter dado ao clube o seu 1.º troféu da História (Taça da Liga), contratando Petit para o seu lugar, parece-nos indicado investigar e analisar o comportamento dos 18 clubes em Portugal e as consequências que daí advêm.
    É uma velha ideia que ainda faz sentido no Futebol - quando é preciso escolher um culpado, quando se exige uma cabeça, é mais fácil apontar o dedo e substituir uma pessoa do que 11 ou 25. Em Portugal as "chicotadas psicológicas" são frequentes e a estabilidade é coisa rara. É muito difícil para os clubes pequenos e médios terem um projecto. Porquê? Muito simples. Nuns casos não é dado tempo a alguém de impor as suas ideias e edificar uma equipa à sua imagem, noutros porque treinadores que tenham sucesso rapidamente dão o salto (José Mourinho, Jorge Jesus, Marco Silva, Leonardo Jardim, Paulo Fonseca e André Villas-Boas são todos eles exemplo disso).

    Ao entrarmos na análise específica desta época, podemos primeiro comparar o nosso campeonato com a Premier League. Inglaterra, habitual oásis dos projectos com tempo, lenda alicerçada pela elevadíssima esperança média de vida de Sir Alex Ferguson ou Wenger, já não é o que era. Mesmo assim, em 20 equipas da Barclays Premier League, apenas 5 mudaram de treinador ao longo da temporada. Mais: todas as equipas do actual Top-14 têm o mesmo técnico com que iniciaram 2016/ 17, surgindo então como excepções o campeão em título Leicester, o Crystal Palace, o Hull que foi buscar Marco Silva, o Swansea e há poucos dias o Middlesbrough.
    Em Inglaterra, 5 em 20 mudaram de treinador. Em Portugal, só 5 das nossas 18 equipas não mudaram de treinador durante o mesmo período.


    Reafirmamos que, para retirar as melhores conclusões, seria mais adequado fazer este exercício depois do apito final da jornada 34. No entanto, a 8 jornadas do fim, já é possível perceber muita coisa e tentar responder à nossa pergunta.

  • Benfica, Porto, Sporting, Vit. Guimarães e Vit. Setúbal são as únicas equipas que não mudaram de treinador. Compreensível no caso dos 3 grandes, com Benfica e Porto em acesa luta pelo título e tendo sido Jorge Jesus uma das ferramentas e bandeiras da campanha de Bruno de Carvalho. Pedro Martins acordou o clube da cidade-berço, deixando os vimaranenses a lutar com o grande rival do Minho pelo 4.º lugar, e o bom trabalho de Couceiro no Sado reflecte-se não só nos jogos contra os grandes como na estabilidade do clube, longe das calculadoras e podendo respirar seguro, com a manutenção muito bem encaminhada.
    E os outros?

  •  O Braga despediu José Peseiro depois da jornada 13. Quando Peseiro, treinador do qual não somos fãs, abandonou o clube o Braga estava em 4.º lugar - tal como agora - mas estava a apenas 1 ponto do 3.º classificado (Sporting), classificação que se alterou logo na jornada seguinte quando o clube, orientado pelo interino Abel, venceu em Alvalade por 1-0.
        Ora, com Jorge Simão (ex-Chaves) a qualidade da equipa piorou e sucedem-se resultados pouco abonatórios (entre Fevereiro e Março, 4 empates, duas derrotas e duas vitórias). Faria melhor José Peseiro? Provavelmente sim. Mas parece-nos um duplo erro de casting de António Salvador, presidente habituado a contar com grandes treinadores (Jorge Jesus, Leonardo Jardim, Paulo Fonseca, Jesualdo Ferreira). 

  • Desp. Chaves e Arouca mudaram de treinador sem terem culpa. O Chaves viu Jorge Simão rumar a Braga, e Lito Vidigal abraçou um novo desafio em Israel a meio da época. As respostas do clube-sensação desta época e do clube-sensação da época passada foram bem diferentes.
        O Chaves demonstrou visão e planeamento - apostou em Ricardo Soares, ex-Vizela, e "descobriu" provavelmente um dos próximos bons treinadores do futebol português. A equipa deve terminar a Liga entre o 7.º e o 11.º lugares, mas tem um projecto sólido e o treinador certo para que o clube cresça com bom futebol. Há males que vêm por bem. Já o Arouca, revelou não ter um plano B preparado e apostou no desgastado Manuel Machado. Resultado: 5 derrotas em 5 jogos, rescisão acertada e o 3.º treinador da época a ser anunciado em breve.

  • Petit e Pepa andam a brincar às escondidas. O outrora médio defensivo iniciou a época no Tondela, depois de salvar o clube milagrosamente na recta final de 2015-16, assumindo agora o legado de Augusto Inácio no Moreirense. Pepa teve pior sorte: começou em Moreira de Cónegos, e está agora no "lanterna vermelha", o Tondela.
        Quando Petit saiu do Tondela (jornada 16), o clube era último. Com Pepa não melhorou. E seria difícil, mediante o plantel. Relativamente ao Moreirense, a Direcção teima em mudar mas pouco muda - quando Pepa foi despedido (jornada 10) o clube era 16.º, e Augusto Inácio - depois de conquistar de forma inédita a Taça da Liga, perdendo depois Geraldes e Podence - deixa o clube exactamente na mesma posição.

  • Custa olhar para o estado actual do Nacional da Madeira. Habituado a outras andanças, tudo aponta para que, depois de em 2014-15 o União da Madeira ter descido, 2016-17 possa ter apenas o Marítimo como único clube da região autónoma no primeiro escalão. O futebol pobre é a consequência da incapacidade ou relutância em pensar "fora da caixa" - quase parece que o Nacional se auto-condenou a alternar apenas entre 2 treinadores, Manuel Machado ou Jokanovic. O 3.º técnico da época (situação similar a Arouca, Moreirense e Estoril) será anunciado rapidamente e terá que ser um tiro certeiro caso o clube queira sobreviver. Fala-se em João de Deus... à partida existiam melhores opções.

  • Para além dos já referidos Nacional, Arouca e Moreirense, o Estoril é a outra equipa que também vai no 3.º treinador esta época. E é o melhor exemplo de que deve ser dado tempo, porque mexer (mal) pode borrar a pintura. Fabiano Soares, depois do voto de confiança dado na época passada, foi despedido na jornada 13. O clube da Linha era 11.º classificado. Depois veio o espanhol Pedro Carmona que em 11 jogos conseguiu 8 derrotas. Cabe agora a Pedro Emanuel (2 jogos, 2 empates) manter o clube, que nunca deveria ter abdicado de Fabiano Soares, afastado da zona de despromoção.

  • Se Braga, Estoril, Moreirense, Arouca e Nacional são exemplos negativos, o Paços Ferreira um elemento neutro, e os números ajudam também o ex-Belenenses Júlio Velazquez (deixou o clube em 8.º, a equipa do Restelo está agora 2 lugares abaixo, mas Quim Machado parece ser a pessoa certa), há claramente quem tenha beneficiado com a mudança.
        O Chaves não é para aqui chamado, uma vez que se tratou de uma reacção e não de uma acção, mas Rio Ave, Boavista, e sobretudo Marítimo e Feirense voltariam certamente a fazer tudo como fizeram.
         O Marítimo apercebeu-se cedo que PC Gusmão não era o técnico certo. À jornada 5, o clube estava em 17.º. Hoje é 6.º classificado, e está na luta pela Europa. Um extreme makeover com muito mérito de Daniel Ramos. A escalada do Feirense não foi tão significativa mas foi igualmente notável - José Mota abandonou o clube na jornada 14, deixando-o um lugar acima da zona de descida. A Direcção confiou em Nuno Manta Santos e o homem da casa está a provar ser a escolha mais-do-que-certa - com um dos plantéis mais frágeis da Liga NOS, o Feirense é 11.º com apenas menos 3 pontos do que o 7.º, e pode-se considerar seguro.
        Já Boavista e Rio Ave passaram de Erwin Sánchez e Nuno Capucho para Miguel Leal e Luís Castro e os novos treinadores dotaram as equipas de maior personalidade, competência, com a classificação a aproximar-se certamente dos objectivos internamente definidos.

    Concluindo, cada caso é um caso. Alguns clubes pioraram ao mexer, mas outros souberam identificar cedo o problema e a melhor solução para o contornar. Há clubes que deveriam ter mexido mais cedo e de outra forma (Nacional), há clubes que deveriam ter ficado quietos (Estoril) e outros que provaram que a vantagem competitiva se cria quando se tem sempre um plano B na manga. Mérito para o Chaves, o grande destaque de 2016-17. 



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