4 de novembro de 2016

Crítica: Swiss Army Man

Realizador: Dan Kwan, Daniel Scheinert
Argumento: Dan Kwan, Daniel Scheinert
Elenco: Paul Dano, Daniel Radcliffe, Mary Elizabeth Winstead
Classificação IMDb: 7.1 | Metascore: 64 | RottenTomatoes: 68%
Classificação Barba Por Fazer: 77

    Pessoas com baixa suspensão da descrença, este não é para vocês. Talvez a melhor forma de alertar o público para os objectivos de 'Swiss Army Man' tenha sido a quase-tag-line que os Daniels (Dan Kwan e Daniel Scheinert) usaram na hora de lançar o filme: o primeiro pum faz rir, o último pum é suposto emocionar. Tudo dito.
    Numa fase do cinema em que se reciclam fenómenos do passado, caindo-se sucessivamente em remakes e sequelas, sintoma da falta de ideias novas e originais, é bom ver realizadores-autores a arriscarem e uma produtora como a A24 (Spring Breakers, Locke, Ex Machina, The End of the Tour, Room, The Lobster ou Moonlight) a tornar possível um projecto que tem tanto de bizarro e ousado como de profundo e melancólico.
    Façamos as apresentações. 'Swiss Army Man' é quase um Náufrago em que a célebre bola Wilson virou Harry Potter. Dizemos "quase" porque é muito mais do que isso. Paul Dano (tão subvalorizado como actor!) e Daniel Radcliffe, ambos com trajectos bem diferentes mas unidos pela personalidade com que escolhem os seus papéis hoje em dia, abraçaram a visão dos Daniels em criar um filme nunca antes visto. Para o bem e para o mal. Hank (Paul Dano) é um homem numa ilha deserta, desesperado, com medo e sem esperança, que desiste do seu suicídio quando vê um cadáver à beira-mar. Avada Kedavra, o cadáver - mais tarde intitulado Manny - é Daniel Radcliffe, sem cicatrizes em forma de raio na testa, mas sim com uma enorme entrega em termos físicos num papel exigente e surreal.
    À medida que a narrativa avança, 'Swiss Army Man' oferece-nos momentos desconfortáveis: afinal, Manny é um cadáver que se move pelo mar graças aos seus gases, e cuja... virilidade aponta para a felicidade ou "casa" do protagonista. Com muito subtexto nas imagens que nos são progressivamente dadas, o filme consegue distrair-nos enquanto aborda questões mais profundas e uma personagem principal complexa. Com o absurdo e a fantasia como veículos de comunicação, vemos o canivete-suiço-humano Manny a ajudar Hank a recuperar algo que todos perdemos pelo caminho, e a admitir a si próprio onde está e a confrontar-se com os problemas que tem. As possibilidades de leitura e interpretação são vastas, mas o final destrói a lógica do que foi símbolo e criação inteligente e quase mágica até aí, deixando 'Swiss Army Man' uns furos abaixo do seu quase brilhantismo (a celebração do que temos de estranho e anti-norma não invalidava que o remate fosse mais trágico, uma admissão de ilusão e doença).
    Não é à toa que Dan Kwan e Daniel Scheinert venceram o prémio de Melhor Realização em Sundance com este filme. Criar algo nunca antes visto em 2016 é meritório, e a execução só perde mesmo pelo final - Dano e Radcliffe entregaram-se de corpo e alma ao projecto/ desafio, e a banda sonora dos membros dos Manchester Orchestra, Andy Hull e Robert McDowell, é qualquer coisa de extraordinário e ajuda à original falta de linearidade entre estarmos a ver algo aparentemente estúpido adocicado por temas como "A Better Way", "Cotton Eye Joe" ou "Montage".
    É inevitável sentirmo-nos beliscados pelo fim que parece não encaixar com todo o caminho da história até aí, mas tirem o chapéu aos Daniels - usar o fantástico e o surreal para criar desconforto mas apelar ao mesmo tempo à nossa natureza, abordando o isolamento e a conexão social... não é para todos. Não é perfeito, mas façam-se mais filmes assim.
    

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