3 de dezembro de 2011

FMI, Contas e a Greve Geral (?) de 24 de Novembro

Politicamente falando, após cortes, cortes e… esperem, cortes, é isso, a troika deu parecer positivo à segunda avaliação do programa de assistência económica e financeira. Portugal terá cumprido as metas quantitativas para Setembro, tanto do défice, como da dívida e dos pagamentos em atraso. Conclusão: alguma coisa está a ser bem feita e temos mais uns tempos (largos) de vida… má.

Continuando com algumas contas importantes, e até porque normalmente estas contas não chegam às pessoas (e aqui ficam intercaladas com sugestões de filmes e de músicas, melhor rodeadas portanto), Portugal vai ter que pagar 34.400 milhões de euros de juros à troika. Vamos rever então uma equação. O total de crédito oferecido a Portugal no âmbito do resgate financeiro é de 78 mil milhões de euros, mas só em juros vamos pagar 34 mil e 400 milhões, ou seja, quase metade. Portanto não admira que a troika ache que estamos a fazer as coisas bem feitas. 
Os anteriores governos conduziram Portugal ao estado actual, metendo dinheiro ao bolso dos “boys”, não sabendo como gerir o estado social (utilizando-o como principal visado em campanhas eleitorais), construindo obras-públicas sem fim e adoptando políticas egoístas, cobardes e criminosas. E agora nós, tal como a Irlanda e Grécia, e futuramente talvez também a Itália de Berlusconi e das suas festas Bunga Bunga, pedimos em tranches dinheiro ao exterior para (numa linguagem simples) comprar 2 maçãs, sabendo já à partida que teremos que dar 1 maçã como juros, enquanto que a nossa economia nos reduz a maçãs podres (a Fitch cortou o rating de Portugal para BB+ - “lixo”) e nunca saberemos se teremos a capacidade de nos próximos 3 anos, e esse é o desafio, produzir e exportar as nossas próprias maçãs. A verdade é uma, nos próximos tempos é garantido que vão faltar muitas maçãs e afins nas mesas dos portugueses. Todas estas metáforas com as maçãs podem soar a parvo, mas traduzem mais ou menos a actualidade económica nacional.

Isto transporta-me para outro caso, que já leva uma semana e pouco, a greve de dia 24 de Novembro. Vou saltar o facto de Portugal poder perder 1250 milhões em verbas comunitárias por paralisar a construção do TGV (porque me parece uma atitude sensata – tantas auto-estradas e tantas obras públicas sem razão de ser já nos guiaram onde estamos e a verdade é que, apesar de ajudar o turismo, não creio que seja uma solução mas sim um acentuar da corda no pescoço). Como é evidente, toda a gente tem o direito de protestar e todos têm uma voz para se fazer ouvir e para mudar o mundo. O que eu me pergunto é se fará sentido, nesta altura, nestas condições, fazer uma greve. A nível de condições de vida, perspectivas de vida, condicionamentos sociais e todo o tipo de austeridade já aplicada e que provavelmente ainda irá aumentar, nunca os portugueses tiveram tantos motivos para se queixar. No entanto, um dia de país quase parado (como se perspectivava, sendo uma greve geral da função pública) seria grave. Grave, e aí não há espaço para discussão, é empresas como a CP, o Metro ou a Carris que, com gigantescos prejuízos, ainda se dão ao luxo de reduzir os seus préstimos, impedindo que pessoas que deles estão dependentes tenham ido trabalhar.
No meio disto tudo, se houve algo “estranho” foi a diferença entre os números avançados pelo Governo e os números avançados pela CGTP. O Governo avançou às 11h30 de 24 de Novembro que a adesão teria sido de 3,6%, actualizando às 18h o número para 10,48%. A UGT falou em 75% de grevistas. Mas afinal de contas o que são 64,52%? É só o Manel e a Antónia, é uma coisinha tão pequenina… Cheira-me que o Governo pôs a fasquia baixa, e a CGTP e UGT a fasquia alta demais. A CGTP fez uma coisa muito bonita que foi congratular-se com a adesão “muito significativa” à greve. Ora, quando é para tomar uma decisão, sair de casa e votar em alguém para guiar o país num momento de dificuldade, o Zé Povinho fica no sofá. Quando é para aderir à greve, não fazer nada, o que é que o Zé Povinho faz? Fica novamente no sofá. Naturalmente há quem vá para a rua protestar (importa distinguir quem vai protestar mesmo e quem vai apenas com o objectivo de arranjar confusão) e naturalmente nem todos os grevistas são de facto grevistas pois muitos são apenas vítimas da greve. 
Não estou aqui para defender o Governo, mas o senhor Carvalho da Silva, com quem não simpatizo particularmente, falou muito inchado “Não temos metro, aviões, os portos não funcionam nem as ligações entre as margens do Tejo” – traduzindo para miúdos: “Heeyy, que bom pessoal! Conseguimos! Portugal parou e não está a conseguir produzir nada num momento de crise. Estamos todos mesmo mal mas não interessa, vamos lá contribuir hoje para ficar ainda pior!”. 
Carvalho da Silva disse que a forte adesão à greve “traduzia uma mensagem política”, mas era óbvio à priori que os portugueses estavam descontentes com a actual situação económico-social do país. Não é preciso fazer uma greve para que o governo perceba que ninguém gosta de perder o 13º mês, os subsídios ou ver o IVA de tudo a subir. Isso é óbvio, é como um clube estar a perder 7-0 e constatar “Bem, parece que estamos a perder” – não é preciso fazer uma greve para isso. No fundo, apesar de concordar com as greves, não posso elogiar, do ponto de vista de marketing, as pessoas que optam por levar uma faixa a dizer “Estamos em greve”. Isso está ligeiramente implícito. Quando eu vou na Avenida da Liberdade e me deparo com 200.000 pessoas, das duas uma, ou estão em greve ou se estiverem todas de vermelho, o Benfica foi campeão (mas aí eu já estaria no seio da multidão). Tanta gente não se junta para ir tomar um café, portanto é igualmente óbvio que estão em greve. Não precisam de o referir numa faixa ou num cartaz. É como eu andar com um post-it no meu braço a dizer “Isto é um braço”.

Greve é a cessação colectiva e voluntária do trabalho realizada por trabalhadores com o propósito de obter benefícios ou para evitar a perda de benefícios. Parece-me portanto óbvio que ninguém esperava obter caviar em tempo de sardinhas em lata, e também me parece difícil que haja sonhadores que achem que há outro caminho para atingir as metas do que a austeridade. Parece que há pessoas que pensam que os responsáveis da troika um dia acordam, reúnem-se e dizem “Epá, Portugal é um país muito bonito! Vamos lá perdoar-lhes a dívida e deixá-los sem preocupações”.

Protestar sim meus amigos, mas com cabeça. E mais uma coisa: a próxima vez que quiserem fazer uma greve, não parem Portugal. Parem a Europa toda. O Governo pode até orientar a televisão mais para a esquerda ou mais para a direita, mas quem tem o comando na mão é o FMI (a metáfora da faca e do queijo na mão já está muito gasta). Neste momento é da Europa que dependemos, e assim será, até (esperemos que aconteça) conseguirmos criar condições para voltarmos a depender de nós próprios. MP

2 comentários:

  1. Gostei muito de ler este vosso artigo. Gostaria apenas de relembrar que, se as teorias económicas se aplicarem ao caso de Portugal, supostamente quanto mais cedo acabarmos de pagar a dívida externa, menos juros pagaremos. Por isso, por muito más que sejam as medidas de austeridade, poderão (julgo eu) ajudar-nos a pôr termo à dívida com menor pagamento de juros, valor que aumentará certamente se demorarmos mais anos a regularizar o pagamento.
    Para além disso, e relativamente à suposta greve geral, acho ridícula! Trabalhei mais do que em muitos outros dias, e sinto-me de consciência tranquila, porque no pouco que me compete, contribuo para o meu país.
    Quanto à faixa, é igualmente ridícula. Adorei a analogia ao post-it no braço lol
    Continuem!

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  2. BOM post! Não podia concordar mais "Como é evidente, toda a gente tem o direito de protestar e todos têm uma voz para se fazer ouvir e para mudar o mundo. O que eu me pergunto é se fará sentido, nesta altura, nestas condições, fazer uma.greve."
    - Fazer uma greve nesta altura, além de Inútil é parvo.
    - O método de recolha de dados da CGTP e do Governo são como a água e o azeite, nunca se misturam (compreenda-se são sempre diferentes).
    - Temos que cuidar bem da nossa macieira, temos que a fazer dar mais maçãs sumarentas e isso só se consegue com trabalho e sacrifício, não com paragens e pessimismos óbvios.
    -"Comando na mão" remete-me para a minha infância, nas tardes de Batatoon :P

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