17 de julho de 2017

Revisão: 'Better Call Saul' (3.ª Temporada)

Criado por
Vince Gilligan, Peter Gould

Elenco
Bob Odenkirk, Jonathan Banks, Rhea Seehorn, Michael McKean, Giancarlo Esposito, Michael Mando, Patrick Fabian, Mark Margolis

Canal: AMC

Classificação IMDb: 8.7 | Metascore: 87 | RottenTomatoes: 97%
Classificação Barba Por Fazer: 94


- Abaixo podem encontrar Spoilers - 

A História:


    Uma obra-prima paciente. Falar de Better Call Saul é falar da melhor série de 2017, a série que ensina todas as outras como dosear a exposição feita, aquela que valoriza e respeita os espectadores, possibilitando-nos descobrir, estudar e desenhar as personagens. O diálogo serve depois como confirmação, quando praticamente tudo já foi dito, contado por uma cinematografia ímpar.
     Quem diria que o comic relief de Breaking Bad, o manhoso e cartoonizado Saul Goodman, viria a ter uma série com tamanho peso e intensidade dramática?! Mas o desafio, mais do que atingido por Vince Gilligan e Peter Gould, era esse - num mar cinzento entre o que é certo e errado, Better Call Saul põe a nu Jimmy McGill (Bob Odenkirk), o homem de carne e osso atrás da máscara ou caricatura que conhecemos há muitos anos atrás, num futuro que nunca conseguiremos esquecer.
    Com confiança e o apoio da AMC, a tragédia tem avançado em ritmo lento - um estudo de personagem que torna tudo mais doloroso agora, e potencialmente explosivo nas últimas temporadas - e é indiscutível que esta terceira temporada é melhor do que a segunda, que por sua vez foi superior à primeira. Assim é que se quer: evolução.
    Curiosamente, o ritmo (crítica frequente por parte da audiência) fora já um defeito apontado às temporadas iniciais de Breaking Bad, esquecido depois quando a história de Walter White e Jesse Pinkman explodiu de vez. O génio de Vince Gilligan e Peter Gould (foi ele que escreveu em Breaking Bad o episódio da temporada 2 que apresentou Saul Goodman, intitulado precisamente "Better Call Saul") está na perfeita sintonia entre as duas séries. A questão de partida é essencialmente a mesma: até que ponto podemos nós fugir àquilo que somos, à nossa verdadeira natureza? Entre 2008 e 2013 vimos Walter White a acordar o seu pior lado num contexto difícil, e agora assistimos a Jimmy a tentar fazer tudo bem, a lutar contra os instintos que o irão conduzir até Saul.

    Através de uma espécie de narrativa em "panela de pressão", Better Call Saul parece escrito por cirurgiões. E a contenção e suave atenção aos pormenores reflecte o seu universo de personagens: Walter White e Jesse Pinkman eram sinónimos de impulsividade, enquanto que Jimmy McGill, Mike, Chuck, Kim e Gus são ponderados, meticulosos e calculistas.
    Nesta temporada, que tem um bónus chamado Gus Fring (Giancarlo Esposito), tudo brilha mediante desequilíbrios e consequências há muito anunciadas. O confronto de titãs entre os irmãos Jimmy e Chuck (Michael McKean), batimento cardíaco da série, dita o ponto sem retorno; durante 10 episódios, os irmãos McGill afastam-se cada vez mais, ao mesmo tempo que Kim (Rhe Seehorn) é levada ao limite das suas capacidades, e Mike (Jonathan Banks) se aproxima do submundo dos cartéis. Não restam grandes dúvidas de que poderíamos passar horas a ver Mike "a fazer coisas" (sequências praticamente sem diálogos mas orgásmicas do ponto de vista visual e narrativo), e é sempre simpático revisitar a bíblia de personagens da série que originou este spin-off - Don Eladio, Krazy-8, Lydia ou Juan Bolsa.

    Better Call Saul não parece ainda ter os Emmy do seu lado, mas a crítica começa a aperceber-se de que Vince Gilligan vai conseguir fazê-lo outra vez. E, neste caso, devemos estar gratos aos críticos e à AMC, por segurarem uma série com baixos ratings em termos de audiências.
    Comparando as duas séries à terceira temporada, Better Call Saul está ao nível de Breaking Bad. Tem menos momentos chocantes e frases emblemáticas dignas de t-shirts ou posters, mas compensa noutros capítulos.
    
    
A Personagem: Chuck McGill (Michael McKean).
    Criminoso, quase merecedor de boicote, os Emmy não terem nomeado o actor que devia inclusive vencer a categoria de Melhor Actor Secundário numa série de Drama.
    Falar de Better Call Saul é falar da fotografia das invejas e frustrações de dois irmãos. O mais novo que só quer sentir-se aceite e ter a aprovação do outro, numa construção de um anti-herói que faz tudo errado pelos motivos certos; e Chuck é quase o oposto, incrivelmente devoto à justiça e à lei, mas desprezível do ponto de vista moral e pessoal.
    Uma coisa é certa: nesta temporada 3, Chuck não deixa nada por dizer. É em grande parte graças ao trabalho de Michael McKean que "Chicanery" e "Lantern" são os dois melhores episódios da temporada e também dos melhores este ano considerando toda a televisão. O homem com hipersensibilidade a electricidade é uma das melhores representações de doença mental de sempre, e consegue ser o antagonista perfeito: quer naquele longo monólogo em tribunal, quer no seu colapso a esburacar irracional e de forma imparável toda a casa, quer naquele final seco, finalizado à distância.
    Depois, nesta season Nacho ganha importância, Howard torna-se menos vazio, e Kim (o nosso destaque na temporada 2) continua no seu trajecto com destino imprevisível. Palavra final para Bob Odenkirk, um actor que parece melhor a cada episódio que passa.


O Episódio: 05 'Chicanery' | 10 'Lantern'.
    "Witness", "Fall" e "Sabrosito" facilmente seriam o destaque-mor noutras séries. E é fascinante acompanhar os elaborados planos de Mike nos episódios iniciais - seja a forma como passa de perseguido a perseguidor, à criativa utilização de um par de ténis. De resto, Better Call Saul é a série em que há trocas de medicamentos impróprias para cardíacos e em que um simples atravessar do corredor de congelados no supermercado vira desafio.
    Por não sermos capazes de escolher um, optamos por um empate técnico entre "Chicanery" e "Lantern", quinto e décimo episódios respectivamente.
    Em ambos Michael McKean atira a série para um patamar de obra-prima. "Chicanery" torna-se extraordinário pela intervenção final de Chuck, que perde a postura e revela tudo o que vai dentro dele, perante um irmão mais novo magoado por o magoar.
    Por fim, "Lantern" oferece alguma redenção a Jimmy (o "golpe" da velhote no penúltimo episódio é dos mais difíceis de assistir), lança Kim numa nova trajectória, incerta, mas volta a ter em Chuck o seu principal destaque. Quer no que diz a Jimmy, quer na forma como se afunda na sua solidão e loucura, desesperado até nos deixar num silêncio escaldante.


O Futuro: 
    É apenas uma questão de tempo, de contexto e de acontecimentos até que Jimmy perca qualquer noção de consciência e qualquer centro moral. Não faz sentido esperarmos por um momento específico que identifique a transformação de Jimmy para Saul. Saul Goodman está lá, e esteve sempre.
    A quarta temporada está confirmada, e Better Call Saul deve ter 5 (no máximo 6). Logo veremos como os autores estão a pensar chegar ao Cinnabon a preto e branco - vamos saltar toda a fase Breaking Bad, ou vamos ver alguns momentos de Saul Goodman enquanto Walter White andava a estragar a vida de toda a gente? -, mas para já sabemos que há muita culpa por explorar daqui a um ano.
    É fácil perceber que Mike será a porta de Jimmy para o mundo de Gus e Nacho, mas é verdadeiramente intrigante aquilo que Gilligan e Gould estão a pensar fazer com Kim.

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