17 de abril de 2014

A noite perfeita - espelho da época - e o jogo da vida de André Gomes. Benfica no Jamor

Benfica  3 - 1  Porto (Salvio 17', Enzo Pérez (pen.) 59', André Gomes 80'; Varela 53')

    Vamos puxar a cassete atrás e ressuscitar fantasmas e memórias recalcadas, expressões e palavras proibidas. Minuto 92, Kelvin, golos de Soudani e Ricardo no Jamor, Branislav Ivanovic. Agora, após respirar fundo, vamos voltar ao presente e abordar o jogo, porque a ponte será feita lá em baixo.
    Nesta 2.ª mão das meias-finais da Taça de Portugal, o Porto partia como favorito. Os dragões tinham ganho 1-0 no Dragão e a presença no Jamor, face à péssima época, passara a ser o principal objectivo. Luís Castro pôde abordar o jogo com o seu melhor 11 (é mau sinal quando um melhor onze tem Herrera e Defour a fazer companhia ao sempre impressionante Fernando), Jesus não contou com Luisão, Fejsa, Ruben Amorim e Oblak (que provavelmente, mesmo que estivesse em condições, não deveria ser titular), deixando ainda Lima e Markovic no banco, colocando Cardozo e Salvio. Uma surpresa terá sido a presença no 11 de André Gomes e que recompensa deu o jovem ao voto de confiança do treinador!
    Os primeiros 15 minutos de jogo jogaram-se no meio-campo portista. O Benfica assumiu o jogo mas durante 15 minutos não se criaram praticamente oportunidades. A bola era encarnada, o Benfica amealhou infinitos cantos, e deixou o aviso inaugural num desequilíbrio de Rodrigo ao qual Salvio não correspondeu da melhor forma. No entanto, ao minuto 17 a eliminatória ficou empatada. Rodrigo trabalhou bem e soltou para o flanco esquerdo, Gaitán tirou um cruzamento perfeito (é impossível um cruzamento sair melhor que aquilo) e Salvio elevou-se e cabeceou de forma determinada para o 1-0, que Fabiano não conseguiu evitar. Ricardo Quaresma foi o 1.º a ser admoestado pelo "querido" Pedro Proença - e bem que Quaresma lhe pôde mais tarde agradecer não ter abandonado o jogo mais cedo -, mas Siqueira foi também o 1.º encarnado a ver a cartolina amarela, num lance em que a própria falta era discutível. Aos 28 minutos, 3 minutos depois do primeiro cartão, Siqueira foi expulso. Proença não marcou falta no lance que originou o cartão, mas acabou por ditar a injusta expulsão do lateral brasileiro. No primeiro cartão a falta era discutível, no segundo a falta era clara mas o cartão nem tanto. Com 10 jogadores, o Benfica entregou o jogo ao Porto, Gaitán fez o corredor todo durante uns minutos (até Cardozo dar lugar a André Almeida) e o Porto, com uma total incapacidade de jogar futebol, só criou perigo num lance em que Artur assustou os seus adeptos.
    
    Na 2.ª parte o golo portista não demorou a surgir, e aí todas as condições pareciam estar reunidas para a festa portista. Silvestre Varela desenhou sozinho um lance entre André Almeida, Enzo e Rodrigo, fez uma mudança de velocidade "à Varela" e finalizou com um remate rasteiro. Era uma bola difícil, mas há os guarda-redes normais e aqueles que fazem a diferença. Artur, sobretudo nestes jogos, não pertence à 2.ª categoria. Minuto 53, 1-1. O Benfica, com menos 1 jogador, precisava de marcar 2 golos para seguir em frente. As águias não baixaram os braços, ou asas neste caso, e Rodrigo ficou muito perto de dar vantagem. Gaitán em zona de remate, deu um golo cantado ao avançado, mas Rodrigo preferiu abordar o lance como se se tratasse de um defesa azul e branco. Perante um Porto inexistente, continuou a ser o Benfica a correr atrás do prejuízo e Salvio (confiante, intenso, rapidíssimo, a voltar à sua melhor forma) foi derrubado por Diego Reyes na grande área. Rodrigo queria marcar o penalty mas Jesus ordenou que fosse Enzo a assumir a responsabilidade. O médio argentino, total personificação da época benfiquista, revelou-se frio e fez o 2-1. Catalisados pelos seus adeptos, os encarnados continuaram a tentar aproveitar qualquer erro portista e, depois de uma abordagem nervosa de Reyes, Rodrigo teve auto-estrada aberta rumo à baliza de Fabiano mas, quando estava em posição de rematar com o seu pé (o esquerdo) optou por adornar sem nexo. Perdeu-se um lance e perdia-se também nessa altura o controlo do jogo - se é que alguma vez o teve - por parte de Proença. O alegado "melhor árbitro do mundo" decidiu distribuir amarelos, mas foi poupando Quaresma, que quase marcou um golaço num lance em que Artur Moraes estaria completamente batido. Ao minuto 80' o Porto já tinha colocado Ghilas e Josué (sem dúvida o jogador em campo com pior conduta desportiva), não arriscando num talento como Quintero, perfeito para surgir entre linhas e explorar um Benfica que precisava ainda de marcar. 
    E foi precisamente ao minuto 80 que ficámos todos a perceber porque é que o futebol é magico. Depois de uma boa combinação entre Gaitán e Lima no flanco esquerdo, a bola foi colocada em André Gomes e o resto, o resto merece uma pausa antes de se prosseguir a descrição. O jovem que fez a sua formação no Porto, Boavista e Benfica (sendo capitão nos 3 emblemas) recebeu a bola com o peito, tirou Fernando do seu caminho com um cabrito, deixou a bola bater no relvado e fuzilou Fabiano. Sumariamente: um golo de sonho. O êxtase tomou conta da Luz, com vários adeptos a entrarem no recinto e a equipa em total delírio e comunhão. Não era para menos. A partir do golo, foram expulsos os 2 treinadores e Ricardo Quaresma expulsou-se a ele mesmo. O extremo, eternamente perdoado por Proença, foi perdoado mais uma vez, e depois do árbitro lhe dizer para se afastar do local, Quaresma "pediu" para ser excluído do jogo ao insistir nas palavras.
    A Luz viveu uma das noites mais bonitas no novo estádio, cuja história nenhum benfiquista seria capaz de escrever à priori e com André Gomes a reservar um lugar eterno na História dos grandes jogos do clube.

    Agora sim, puxemos a cassete à frente. Depois de perder tudo, da época do quase, o Benfica reergueu-se. Não desistiu, lutou. Enzo enxugou as lágrimas, jurou para nunca mais e assumiu a equipa. Gaitán percebeu o que representa o símbolo e cresceu como homem e profissional de futebol. O Benfica teve dificuldade em recalcar todos os desaires mas mostrou garra, personalidade e o jogo de hoje torna-se a melhor imagem que se pode conseguir ter do virar de página da época transacta para esta. A equipa encarnada tinha uma desvantagem de 1-0, igualou a eliminatória, ficou reduzida a 10 elementos, sofreu um golo e viu-se obrigada a marcar dois a um Porto que, embora murcho e incapaz, ainda é o tricampeão nacional. Mas marcou 2 golos e garantiu um lugar no Jamor.

    Pouco há a elogiar no Porto. A época 2013/ 14 é uma época para esquecer e hoje, como sempre, Fernando foi o único a remar contra a maré, uma maré que era inclusive favorável aos dragões quando o mar começou a ondular. O destaque negativo é hoje, para além de uma total inércia colectiva, Ricardo Quaresma. Sou admirador das qualidades de Quaresma, tem uma técnica como poucos, uns pés de predestinado. No entanto, se fosse seleccionador, hoje reflectiria seriamente sobre a inclusão do extremo na lista para o Mundial. Uma Selecção não pode contar com um jogador com tão pouca cabeça numa fase que deveria ser de total maturidade na carreira. Quaresma sempre achou estar acima de qualquer equipa, e infelizmente isso não mudou. Alguém consegue compreender um jogador que, aos 88' é expulso (e justamente teria sido expulso mais cedo) e, com a sua equipa a precisar apenas de marcar 1 golo, demora a sair do relvado deixando inclusive as suas caneleiras no mesmo? O desporto precisa de exemplos melhores. E Quaresma tinha tudo para ser um dos melhores.
    Maxi Pereira (sempre inteligente a interpretar o jogo e a intensidade do mesmo), Jardel (não se notou a ausência de Luisão graças à actuação do "mascarado") e Gaitán estiveram em bom plano. Salvio e Enzo Pérez estiveram um degrau acima. No 1.º caso um jogador que está a melhorar de jogo para jogo e que voltamos a referir que será determinante no final da temporada, e no 2.º caso - o jogador da época. Por fim, as palavras finais são para o melhor jogador em campo. André Filipe Tavares Gomes mudou hoje a sua carreira. Até ao minuto 80 foi perfeito a defender - conseguiu superiorizar-se a Fernando em vários duelos, soube pressionar, "morder calcanhares" e teve hoje aquilo que lhe faltava para se poder ver nele um futuro médio de topo - intensidade, em todos os lances. Ao minuto 80 desenhou um dos momentos que marcarão para sempre os benfiquistas e, uma vez que o seu passe pertence a Jorge Mendes e que hoje estavam tantos observadores na Luz, provavelmente "vendeu-se" hoje.

Barba Por Fazer do Jogo: André Gomes (Benfica)
Outros Destaques: Maxi, Jardel, Enzo Pérez, Salvio, Gaitán; Fernando

    A final será entre Benfica e Rio Ave, uma vez que os vilacondenses (que também marcarão presença na final da Taça da Liga) venceram o Braga por 2-0, com golos de Ukra e Ruben Ribeiro. Na 1.ª mão tinha-se registado um nulo. Caso para dizer que Tarantini e Marcelo vão continuar sem cortar a barba por mais algum tempo.

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