O Mundial 2014 terminou e, na despedida final, fazemos uma avaliação de quem saiu da competição com motivos para sorrir ou para chorar.
Nesta análise amplificada consideramos não só elementos com ligação directa ao que aconteceu em solo brasileiro - o futuro diferente que James Rodríguez escreveu para si ou o meritório trabalho que tem que ser reconhecido à selecção alemã - bem como, de forma mais indirecta, coisas que este Mundial nos deixa: a valorização de determinados campeonatos ou de um certo esquema de jogo.
Temos assim os Vencedores e Derrotados deste Mundial:
Mannschaft
A vitória alemã foi incontestável.
Venceu a equipa que melhor funcionou como um todo – onde todos os jogadores
sabiam o que fazer, embora com elementos como Müller, Kroos, Lahm, Neuer e
Hummels a destacarem-se dos seus pares. Já há muito se dizia que esta geração
tinha tudo para ganhar e foi desta que o conseguiram, ficando para a História
dos Mundiais a forma como a Alemanha atropelou o anfitrião Brasil por 7-1. Em
todo o caso o que importa salientar neste caso é que esta foi uma vitória do
tempo, do processo e do planeamento. Esta Alemanha não surgiu do nada, foi
construída ao longo de anos e anos, com uma reformulação estratégica na
formação e da percepção do que é o próprio jogador alemão. Löw teve
matéria-prima de alta qualidade ao seu dispor, não pôde contar com jogadores
como Reus e Gündogan mas afinou uma máquina que conciliou o bom futebol com o
ADN alemão. É caso para dizer que todas as selecções – Portugal e Brasil, por
exemplo – deviam olhar para o exemplo alemão, assim como a Alemanha não teve
problemas em seguir os passos que levaram a Espanha à sua hegemonia terminada
neste Mundial.
La Roja
Já
que estamos a falar na selecção de Espanha, é inegável que esta saiu pela porta
pequena. Humilhada pela Holanda, magnificamente anulada e derrotada pelo Chile
de Sampaoli, a campeã do Mundo e bicampeã da Europa ficou-se pela fase de
grupos. Jogadores como Casillas e Piqué estiveram anedóticos e Del Bosque não
conseguiu encontrar a fórmula certa para combinar tanto talento. O tempo passou
pela Espanha, que não apresentou qualquer chama e determinação neste Mundial,
embora seja provável que em 2016 nuestros
hermanos tenham novamente uma palavra a dizer no Euro juntamente com
Alemanha, Holanda, a anfitriã França e a mais madura Bélgica. E sim, ainda
haverá Itália, Portugal e Inglaterra.
Guarda-Redes
Indiscutivelmente este foi um Mundial que valorizou o homem com luvas. Parece um contra-senso considerando que foi uma competição com 171 golos marcados – igualando o máximo anterior que se registara no França’98 -, mas o que é certo é que em solo brasileiro houve exibições monumentais de GR, defesas impossíveis e Manuel Neuer deixou uma marca importante na forma como demonstrou aquilo que um guardião tem que ser no futuro – dependendo da equipa claro e da sua forma de jogar, um GR tem que se considerar o último defesa e ajudar sendo o primeiro a construir (as reposições e lançamentos, com o pé e com a mão, o passe ao primeiro toque, fazem a diferença entre um GR de equipa pequena e grande). Manuel Neuer recuperou o estatuto de melhor guarda-redes do mundo; Tim Howard estabeleceu um recorde de defesas num jogo do Mundial (16 contra a Bélgica); Ochoa, Ospina, Romero e M’Bolhi brilharam todos em diferentes momentos e Keylor Navas (Costa Rica) terá sido mesmo o guarda-redes mais consistente e com maior impacto individual no incrível caminho da sua selecção – homem do jogo contra Inglaterra, Grécia e Holanda.
Keylor Navas contra Grécia e Holanda, Neuer contra a Argélia, Ochoa contra o Brasil, Tim Howard contra a Bélgica – jogos para mais tarde recordar.
3-5-2
A
táctica é um esqueleto, uma forma de organização e referência, culminada e
dependente sempre do que os jogadores fazem. É forma de equilíbrio, de estudo,
representativa da preparação e sempre valorizada (ou não) da estratégia para
cada jogo. José Mourinho disse há anos que acreditava que o 3-5-2 seria a
táctica do futuro. Têm que se admirar os visionários do futebol, os que
antecipam comportamentos com anos de distância e aqueles que mudam paradigmas e
reinventam o desporto (menção a Guardiola, neste caso). O 3-5-2 acabou por sair
valorizado deste Mundial, numa época em que a esmagadora maioria das equipas no
futebol europeu se estrutura num 4-2-3-1 ou em 4-3-3. Louis Van Gaal deve ser
considerado como o porta-estandarte: olhou para a sua Holanda, percebeu como
podia ganhar segurança, equilibrar a equipa e libertar elementos como Robben,
Sneijder e RVP, e a sua Holanda foi o verdadeiro caso de estudo táctico que
fica deste Mundial. A reforçar este modelo houve ainda o Chile de Sampaoli –
que só contra a Austrália, na jornada inaugural, jogou de outra forma; o México
do piojo Miguel Herrera e, embora
numa disposição muito mais aproximada de um 5-4-1, a Costa Rica trilhou também
o seu caminho com enorme organização, consciência e coragem. Faz sentido colocá-la
neste lote por tudo começar numa defesa também com 3 centrais.
Claro
que não há esquemas iguais. Na Holanda vimos aquilo que em campo se
materializava num 3-4-1-2 com um dos centrais muito mais posicional (Vlaar),
enquanto que no México o líbero (Rafa Márquez) era o primeiro a participar no
processo de construção, projectando os alas Layún e Aguilar muito mais do que
por exemplo fazia o Chile.
É
possível que vários treinadores repensem as suas equipas depois deste Mundial.
É mais fácil, pelo menos para equipas ambiciosas e de topo, adoptar um esquema
assim numa competição curta do que num campeonato. Pelo que se viu até agora
nesta pré-época, Van Gaal parece estar a levar o seu 3-4-1-2 para Manchester e,
verdade seja dita, é o único modelo que permite retirar o melhor de Rooney,
Mata e Van Persie, sem desequilibrar a equipa.
Scolari e Futebol Brasileiro
Se
a Alemanha saiu vitoriosa, a vários níveis, deste Mundial, a canarinha ainda estará a tentar recalcar
o trauma. A postura alegre da selecção mais vezes campeã do mundo caiu num
estado de depressão. Scolari – um motivador, um mestre na condução de homens
mas não de jogadores de futebol, baseando-se na fé e na crença no talento
individual – viu-se derrotado, ultrapassado frente a equipas muito melhor preparadas.
A lesão de Neymar Jr. ou a ausência de Thiago Silva contra a Alemanha estão
longe de servir de desculpa porque o problema brasileiro é estrutural. É evidente
que houve falhas individuais: Dani Alves foi uma sombra, Fred (um dos
protegidos, das teimosias de Scolari) foi pior que uma sombra e contra a
Alemanha, num total desnorte, viu-se David Luiz – até aí um dos melhores da
competição – a perder totalmente o controlo emocional. Tudo isto teve, ainda
assim, na sua base a falta de organização em campo, a sobranceria ao
praticamente não se preparar para o jogo do adversário (contra México, Chile e sobretudo
Alemanha foi evidente). O Brasil precisava de uma reformulação a vários níveis
e sinceramente com Dunga dá a ideia de que a canarinha passou do Mestre para um anão menos qualificado. Mas não
é com anões que o Brasil vai lá, e ficou a ideia de que um seleccionador
europeu poderia ser útil neste processo.
James Rodríguez
El Bandido James Rodríguez foi o jogador
que mais encantou nos 5 jogos que disputou. Deixou uma marca forte contra
qualquer adversário, assumiu sempre a sua equipa sem medo e surpreendeu ao
consagrar-se o melhor marcador (6 golos). No final, depois de sair devidamente
homenageado por David Luiz, disse que o seu sonho era jogar no Real Madrid.
Conclusão: o 10 do Real Madrid está entregue, fazendo companhia a Ronaldo,
Bale, Benzema, Modric e Toni Kroos, e reforçando a ideia de que Di María
abandonará o Bernabéu. E neste mundo só o Real seria capaz de deixar Ángel
escapar.
Liga Mexicana, Colombiana e da
Costa-Rica
Num
defeso hipervalorizado, todos os clubes tentarão encontrar as melhores opções
ao melhor preço. O Mundial acabou por reforçar a boa prospecção que o Porto fez
nos últimos anos, antecipando-se neste caso ao que se poderá tornar norma, uma
vez que depois deste Brasil’2014 os clubes europeus vão olhar com outra atenção
para a liga mexicana, para o futebol colombiano e inclusive para o futebol da
Costa Rica. A Liga Mexicana saiu valorizada pela elevada quantidade de
jogadores locais que M. Herrera chamou (Aguilar, Layún, Vázquez, Peralta,
Salcido ou Maza Rodríguez são exemplos disso), tendo ainda um equatoriano a
contribuir para esta ideia – Enner Valencia jogava no México (Pachuca) e
transferiu-se entretanto para a Premier League, para o West Ham, depois de ser
uma das revelações do torneio. A boa prestação da Colômbia levará os olheiros a
tentarem descobrir o próximo James Rodríguez, e a presença de valores como
Tejeda e Umaña no seu campeonato local, no Saprissa da Costa Rica, terão feito
com que a pátria de Keylor Navas, Bryan Ruiz e Joel Campbell fique mais no mapa
do que até aqui.
Luis Suárez
Depois
de uma Premier League para a qual todos os elogios seriam poucos, Suárez chegou
ao Mundial a poder dizer com legitimidade que era o jogador que mais se
aproximava neste momento do nível de Messi e Ronaldo. No entanto, Suárez chegou
como 3.º melhor do mundo mas saiu como caso clínico e do foro psicológico
indesculpável. Após um ano exemplar na Premier, Suárez voltou a morder (pela
3.ª vez na sua carreira) e a FIFA penalizou-o e bem. Ainda pudemos ver o seu
brilhantismo contra a Inglaterra mas a sua 3.ª dentada ajudou a que o Liverpool libertasse para Barcelona um dos
jogadores marcantes da História de Anfield. Não faria sentido continuar a
iniciar a Premier League sem poder contar com o melhor jogador (já no ano
passado o Liverpool não contou com Suárez nas primeiras 5 jornadas após ter
mordido Ivanovic no fim da época anterior; e esta época seriam ainda mais
jogos) e por isso o ombro de Chiellini terá catalisado a transferência. Somos
fãs absolutos do futebol e do génio que é Luis Suárez, mas este seu
comportamento recorrente não tem desculpa… e é estranho.
Louis van Gaal
Neste
caso, não há muito a dizer. Van Gaal foi o melhor seleccionador deste Mundial e
conseguiu combinar a ousadia de escolher um esquema e de o trabalhar, depois de
analisar bem as características de todos os seus jogadores, com a forma como
soube sempre ler bem o jogo no seu
decurso, mexendo com ele a partir do banco e lançando praticamente sempre as
cartas certas. O Manchester United tinha sido fortemente elogiado em 2010
quando se antecipou a toda a concorrência e contratou Chicharito antes deste
brilhar e mostrar-se ao mundo pelo México, mas desta vez o brilhantismo dos red devils foi muito mais significativo
ao convencer um dos melhores treinadores da actualidade a assumir o comando de
Old Trafford, vinculando-se antes do Mundial. Sir Alex Ferguson tem,
finalmente, sucessor.
Arbitragem
No
final acabou quase sempre por prevalecer o bom futebol, mas o Mundial 2014 não
deixa de ficar manchado por alguns erros de arbitragem. A coisa não começou
famosa logo no jogo inaugural com o árbitro a ir na cantiga de Fred (simulação)
e houve mais episódios: o México viu 2 golos limpos serem-lhe anulados contra
os Camarões, o Irão teve fortes razões de queixa contra a Argentina, Dzeko
poderia ter começado a ganhar contra a Nigéria se não fosse o árbitro intervir
mal, Portugal foi prejudicado – embora a justificação esteja longe de ser essa –
frente à Alemanha, a dentada de Suárez passou incólume. Na fase a eliminar
houve, felizmente, bastantes menos erros, acabando por passar sempre a equipa
que mais mereceu pelo jogo jogado. Apenas os nigerianos poderão guardar algum
rancor da arbitragem contra a França e a Costa-Rica provavelmente não teria que
ter ido ao prolongamento diante da Grécia se tudo tivesse sido bem ajuizado.
Num
Mundial com vários recordes – pessoais e colectivos -, Miroslav Klose conseguiu
porventura o mais emblemático de todos. Em casa
de Ronaldo “Fenómeno”, o avançado alemão de origem polaca marcou 2 golos e
tornou-se o melhor marcador de sempre de Mundiais com 16 golos. Importa incluir
Thomas Müller na equação porque o camisola 13 da Alemanha voltou a marcar 5
golos, tal como fizera em 2010 quando foi melhor marcador e melhor jogador
jovem, e tem neste momento 10 golos… tendo apenas 24 anos. Quer isto dizer que
poderá muito bem ser Müller a ultrapassar o recorde do compatriota Klose. É bem
possível que Müller jogue em 2018 e 2022 (e 2026 se seguir o exemplo de Klose
em termos de longevidade) e por isso tem ainda bastante tempo para marcar 7
golos que o deixem no topo. Caso mantenha a média apresentada até agora,
teríamos novo recorde no decorrer do Mundial 2022.
Eredivisie
Graças
ao trabalho de Louis Van Gaal, o futebol holandês tornou-se alvo da cobiça dos
maiores clubes europeus. O facto da Holanda contar com jogadores jovens e a
menor dimensão dos clubes holandeses no actual panorama em termos de
competições europeias originou para já Martins Indi no Porto, Janmaat no
Newcastle e há vários outros jogadores da liga local que despertam neste
momento interesse: Daley Blind é pretendido por Manchester United e Barcelona,
De Vrij estará também na lista de compras do seu seleccionador bem como de
alguns clubes italianos e ainda há jovens valores como Clasie, Depay e
Wijnaldum. Mesmo entre os jogadores que já jogavam fora de portas, desta
Holanda Vorm já mudou (sem grande nexo, por haver Lloris) do Swansea para o
Tottenham, mas há ainda vários jogadores que podem trocar de emblema ao peito,
tais como Vlaar e Sneijder.
O
talento combinado com o menor valor de mercado já fez vários outros elementos –
estrangeiros ou holandeses não-convocados – viajar neste defeso: Finnbogason
assinou pela Real Sociedad, Graziano Pellè seguiu Koeman para o Southampton,
que também garantiu o espectacular Dusan Tadic. O capitão do Ajax, Siem de
Jong, vai espalhar classe na Premier League ao serviço do Newcastle, e novos
valores aparecerão fruto da boa escola holandesa – Klaassen vai continuar a
crescer, e ainda ontem o jovem dinamarquês Lucas Andersen mostrou-se no Estádio
da Luz na Eusebio Cup.