20 de abril de 2016

Revisão: 'Vinyl'

Criado por
Martin Scorsese, Mick Jagger, Rich Cohen e Terrence Winter

Elenco
Bobby Cannavale, Ray Romano, Olivia Wilde, Ato Essandoh, Juno Temple, James Jagger, Jack Quaid, Paul Ben-Victor, Max Casella, J.C. MacKenzie, Annie Parisse

Canal: HBO

Classificação IMDb: 7.9 | Metascore: 71 | RottenTomatoes: 77%
Classificação Barba Por Fazer: 75


- Abaixo podem encontrar Spoilers - 

A História: 

    No início de Janeiro escrevemos aqui no BPF acerca das 20 Novas Séries em relação às quais tínhamos expectativas mais elevadas neste ano de 2016. 'Vinyl' encabeçava a lista. E não tinha muito que saber: Martin Scorsese a produzir, em conjunto com Mick Jagger, e a realizar o episódio-piloto, Terrence Winter ('Boardwalk Empire', 'The Wolf of Wall Street' e 'The Sopranos') como showrunner e um actor fantástico mas subvalorizado como Bobby Cannavale como protagonista. Depois, a HBO raramente desilude e a confiança depositada em 'Vinyl' - a segunda temporada já estava confirmada mesmo antes do primeiro episódio estrear - levava a crer que aí vinha um dos melhores projectos dos últimos anos.
    Mas (para já) não. A série que em Portugal foi transmitida no TVSéries acabou por desiludir face às expectativas criadas; aconselhamo-la mesmo assim e acreditamos que ainda vai a tempo de resultar em algo épico. Basicamente e face aos ingredientes (setup, tema, elenco, produção) tinha obrigação de dar cabo da concorrência, embora acabe por ser "apenas" uma boa série.

    Vamos por partes. 'Vinyl' passa-se nos anos 70 e tem como protagonista Richie Finestra (Bobby Cannavale), o dono da discográfica American Century. Finestra, enquanto se encharca em álcool e drogas, tenta manter o negócio vivo depois de ter uma epifania que o leva a não abrir mão da sua empresa para os compradores interessados. O tempo dado ao protagonista é proventura exagerado, considerando o universo rico de personagens que lhe fazem companhia durante a sua sucessão imparável de erros, defeitos e más decisões. Pelo meio, os vícios afastam-no da mulher Devon (Olivia Wilde) e dos filhos, enquanto tenta que os Nasty Bits (banda liderada por Kip, interpretado por James Jagger, filho da estrela dos Stones) vinguem e sejam os porta-estandartes da nova identidade da discográfica.
    Um dos problemas de 'Vinyl' é o facto de, ao longo de 10 episódios, parecer estar sempre à procura de se encontrar. O tema não é original (é uma espécie de 'Mad Men' da música, aproximando-se inclusive do nosso produto nacional 'Os Filhos do Rock') pelo que teria que ser a abordagem a fazer a diferença. Durante esta temporada, quiseram chegar a tantos lugares, que não chegaram a nenhum. Embora 'Vinyl' conte com uma realização de alto nível (respeita o ritmo, a energia e o tom scorsesiano, com brilhante edição, escolha de planos e, claro, banda sonora) e um elenco a corresponder (Cannavale é a vedeta mas por exemplo Ray Romano surpreende num papel dramático), acaba por cair em lugares comuns e clichés previsíveis em termos de história, esquecendo-se que a Música deveria ser o foco.

   Ao fim de 10 doses de 'Vinyl' é mais ou menos evidente que a história é tanto mais interessante quanto mais se concentra na música pura e dura - embora no fim o caso mude de figura, a presença da máfia (afinal, estamos a falar de Terrence Winter) parece forçada e pouco ajuda - e quanto mais nos forem dados a acompanhar os vários sucessos e insucessos dos vários trabalhadores da American Century. A personagem de Cannavale está construída como o anti-herói clássico, mas se deixarmos de parte a sua decisão inicial que desencadeia toda a série e o discurso que encerra a finale, é bastante difícil criar empatia com Finestra, pelas suas decisões e atitudes e não por culpa do actor.
    Posto isto, mantemos a nossa esperança e a 2.ª temporada tem tudo para subir o nível. Estamos a falar de uma série na qual a HBO já investiu muito, e com vários pontos a favor: honra as raízes do rock'n'roll com várias lendas da música (Robert Plant, Alice Cooper, David Bowie, Elvis Presley, John Lennon) a serem recriadas e introduzidas na história; reinventa a História da Música na medida em que utiliza os anos 70 como setup para mesclar a realidade Vinyl com a verdadeira realidade; e o falhanço na empatia do protagonista, não se estende a várias personagens secundárias das quais até nos dá vontade de saber mais e de os ver e ouvir mais tempo.    
    
    
A Personagem: Zak Yankovich (Ray Romano).
    O piloto, realizado por Scorsese, define bem a primeira temporada de 'Vinyl': mais do que uma apresentação da série, é uma apresentação do protagonista. Richie Finestra, o anti-herói interpretado pelo magnífico Bobby Cannavale, é um homem de vícios, medos, fantasmas e defeitos, e que praticamente só tem de bom a paixão e a sua visão para a música.
    Ao longo desta temporada, Zak e Clark são bastante melhor trabalhados do que Richie, cuja história, tal como a de Devon, podia ser bem mais interessante. Kip (para a personagem que é, o filho de Mick Jagger nem precisa de ser um grande actor) faz-se acompanhar por personagens que mereciam mais tempo (Lester e Jamie), para não falar dos sócios de Richie e Zak - Skip e Scott - bastante acessórios nesta fase inicial.
    Tudo somado, Zak Yankovich acaba por ser a personagem mais interessante da primeira temporada. Ray Romano (sim, o lendário comediante e actor de 'Everybody Loves Raymond'!) está completamente submerso na personagem, totalmente de acordo com o tom da série, e pertencem-lhe praticamente todos os momentos de maior tensão de qualidade de 'Vinyl'. Uma personagem reprimida, que vive na sombra, na qual tudo faz sentido (tão brutal tudo o que acontece desde Las Vegas até à cena no elevador 2 episódios depois). Enfim, Ray Romano é uma agradável surpresa e mais um daqueles casos de actores rotulados como cómicos e que "partem tudo" ao fazer algo bem diferente.


O Episódio: 08 'E.A.B.'.
    Deixemos de parte o piloto porque não compete de igual por igual com os restantes episódios. Tem 1h53min e é por isso um filme realizado por Martin Scorsese. Sem batotas, os outros competem entre si. É um facto que a série demora muito a colocar a chave na ignição e os melhores episódios estão guardados para os fiéis que se mantenham ligados a 'Vinyl' até ao fim. O oitavo 'E.A.B.' é o primeiro episódio sólido de uma ponta à outra, num nível que se esperava para a série toda, e a season finale salva a temporada, ficando a ideia - como em 'Mr. Robot', sendo que aí foi o próprio criador a referir - que a primeira temporada seria um gigantesco primeiro Acto se 'Vinyl' fosse um filme.
    Entre 'E.A.B.' e 'Alibi', o episódio 8 ganha à tangente. Para além de colocar na mesma sala John Lennon, Bruce Springsteen e Bob Marley, tem aquele que é muito provavelmente o melhor momento musical da temporada - Lester Grimes (Ato Essandoh) pega na guitarra e passa de manager para mentor dos Nasty Bits enquanto viaja pela música assente nos acordes EAB (Mi, Lá, Si). Irónico (ou intencional?) que a progressão de acordes sirva não só para os Nasty Bits como para a série que, a partir deste episódio, tem uma base para trabalhar e crescer. O episódio fecha com Clark a descobrir um submundo à espera de ser explorado.


O Futuro: 
    Uma coisa é certa: a HBO não se ficou por meias-medidas e despediu Terrence Winter como showrunner, contratando Scott Z. Burns (trabalhou bastante com Steven Soderbergh) para orquestrar a segunda temporada. Depois de alegar "diferenças criativas" para afastar Winter, veremos se a troca faz 'Vinyl' corresponder ao seu potencial, ou se Burns queima em definitivo o futuro da série de Martin Scorsese e Mick Jagger.
    Depois de falhanço atrás de falhanço, o final de temporada trouxe finalmente algum sucesso para a American Century, agora Alibi Records. A tensão entre Richie e Zak, os vários projectos prometedores (os Nasty Bits, novo símbolo da Alibi; Xavier, o projecto pessoal de Zak; e a forma como Clark está a descobrir o disco) e o envolvimento com a máfia são alguns dos pontos-chave do que a próxima etapa nos reserva, mas importa referir que a série tem tratado mal as mulheres. A química existe entre Cannavale e Wilde, mas a forma como Devon foi explorada tornou-a quase supérflua infelizmente (quase inexistente no clímax da temporada), enquanto que Jamie é quase chutada para um canto bem perto do fim, embora ainda tenha muito para dar. Duas excelentes actrizes, Olivia Wilde e Juno Temple.
    O Richie Finestra de Bobby Cannavale pode facilmente tornar-se uma das grandes personagens do actual panorama televisivo, e se a série deixar de caminhar em mil diferentes direcções, e privilegiar as boas personagens que tem, o resto vem por acréscimo. Richie, Zak, Lester, Clark, Jamie, Kip, Devon, é deles que nós queremos saber. Deles, e da música. 

    Porque o truque para 'Vinyl' está em respeitar a música. Quanto melhor conseguir misturar os conflitos, o drama e as personagens com a energia do rock'n'roll (é inevitável pensar quão bom podia ter sido explorarem o início do grunge...) mais natural e orgânico será ver e gostar da série. Como é que o vão fazer? Disso percebem eles. Nós estaremos cá para ver.     

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