11 de maio de 2016

Revisão: 'Better Call Saul' (2.ª Temporada)

Criado por
Vince Gilligan, Peter Gould

Elenco
Bob Odenkirk, Rhea Seehorn, Jonathan Banks, Michael McKean, Patrick Fabian, Michael Mando, Mark Margolis

Canal: AMC

Classificação IMDb: 8.7 | Metascore: 85 | RottenTomatoes: 97%
Classificação Barba Por Fazer: 89


- Abaixo podem encontrar Spoilers - 

A História: 

    Reza a lenda que Vince Gilligan (o homem pelo qual devíamos acender todas as noites uma velinha, gratos por 'Breaking Bad') tinha pensado coordenar apenas a primeira temporada de 'Better Call Saul', dando depois um passo atrás, ficando Peter Gould a liderar. Entusiasmado, recuou na decisão. Pela parte que nos toca, obrigado.
    Depois de uma 1.ª temporada boa (provavelmente mais madura do que a primeira de 'Breaking Bad', mas incapaz de nos ligar logo como a antecessora conseguira com Walter e Jesse), esta segunda revelou-se capaz de apresentar um nível superior, e é difícil encontrar melhor mix de escrita, realização e interpretação do que 'Better Call Saul' é capaz de entregar aos espectadores.
    Os 10 primeiros episódios da transformação de Jimmy McGuill em Saul Goodman progrediram de forma lenta, com poucos cliffhangers dignos de nos deixar "meu deus, tenho que ver o próximo e já, só que ainda falta uma semana", e no total cerca de 4 episódios realmente bons ("Pimento" e "Five-O" os melhores, acompanhados pelos iniciais).
    A segunda temporada soube manter um nível alto, com 3 personagens a crescerem de episódio para episódio (Jimmy, Kim e Chuck), diversos pequenos pormenores sublimes que nos fazem conhecer cada vez melhor cada personagem, ao mesmo tempo que continuamos com várias perguntas por responder. Essencialmente, por termos um ponto de chegada chamado 'Breaking Bad'.
    Se no episódio 1.10 parecia que estava tudo pronto para Jimmy começar a sua metamorfose para Saul, em homenagem ao amigo Marco (o anel continua lá), a verdade é que não foi bem assim. Por Kim, Jimmy decide tentar endireitar-se e aceita a proposta de trabalho na Davis & Main, mas dá-se mal por não respeitar os protocolos, regras e as hierarquias estabelecidas. A química entre Jimmy e Kim é um dos pilares da temporada, com Jimmy a tentar ser quem não é por ela, e ela a experimentar a postura dele (os "esquemas" a dois são francamente bons). Não se pode dizer que Mike evolua como personagem - nem fazia sentido que um homem com quase 60 anos mudasse muito - pelo que tudo o que lhe acontece (a parceria com Nacho, o choque com os Salamancas e, quase de certeza, o contacto com Gus Fring na próxima temporada) é fundamental para ligar o protagonista Jimmy a esse mundo, decisivo na sua edificação como Saul. Mas Mike é Mike, aquele homem que honra sempre a palavra, que nunca se engana a ler as pessoas que o rodeiam e que não tem medo, tenha quem tiver à sua frente. Um dos momentos-chave desta season 2 acaba por ser o facto de Jimmy e Kim começarem a trabalhar por conta própria, duas firmas debaixo do mesmo tecto. E, claro está, o clímax da temporada colocou frente-a-frente os irmãos McGuill, trabalhados como inversos - Jimmy, o fora-da-lei com boas intenções e um bom coração, e Chuck, abominável e invejoso mas sempre dentro da lei.
    A genialidade de Vince Gilligan (elogiando através dele toda a equipa) está em tanta coisa: como exemplos a forma como num flashback com a mãe percebemos tudo sobre o que aqueles irmãos sentem um pelo outro; ou o modo como um suporte para copos metaforiza o desconforto de Jimmy em relação à vida "certinha" que leva. E 'Better Call Saul' é a prova que a simplicidade é muitas vezes a melhor forma de nos mostrar o conflito evidente: depois de Chuck fazer tudo para prejudicar Kim, por saber que é a melhor forma que tem de atingir Jimmy, a resposta (ilegal) de Jimmy é fazer a coisa certa mas de forma errada. E é assim que Vince Gilligan nos tem na mão.
    
    
A Personagem: Kim Wexler (Rhea Seehorn).
    Parece impossível, olhando para o arco (ou quase ausência dele) de Kim na primeira temporada, o que Kim Wexler evoluiu entretanto, mérito evidente de Rhea Seehorn que se tem revelado uma excelente actriz.
    De "pãozinho sem sal" para personagem da temporada. O raciocínio é mais ou menos este: o execrável Chuck (brutal o trabalho de Michael McKean!) é a personagem mais interessante de 'Better Call Saul' no conjunto das duas temporadas, mas o MVP individual fica entregue a Jimmy na primeira, e Kim na segunda.
    O processo pelo qual Kim passou é o seguinte: 1) conseguir que os espectadores a vejam como Jimmy vê; 2) humanizá-la, fazendo-a arriscar e experimentar a adrenalina dos "esquemas" de Jimmy; 3) manter-se, não obstante, fiel àquilo que é e em que acredita; 4) matar-se a trabalhar para ver reconhecido o seu esforço e potencial, para depois ser destruída como dano colateral de uma guerra quase sempre silenciosa entre dois irmãos com muito por dizer; 5) na mesma cena, sair por cima ao dizer tudo o que queríamos dizer a Chuck, colocando Jimmy no lugar em simultâneo.
    Para as próximas temporadas, uma das questões mais interessantes que 'Better Call Saul' tem para responder: o que é que fez Kim sair da vida de Jimmy McGill?


O Episódio: 09 'Nailed'.
    Que levante o braço aquele que viu o episódio 9 no dia seguinte ou pelo menos antes do lançamento do seguinte e não pensou "f***-se, dêem-me já a season finale".
    Claro candidato a melhor episódio da série até agora, é o verdadeiro clímax da temporada (já na primeira temporada o clímax tinha acontecido em "Pimento" (1.09) e com a relação Jimmy versus Chuck a fervilhar). Tem Chuck a ser humilhado profissionalmente - uma falha com o dedo do irmão, moralmente correcto e legalmente incorrecto -, tem Rhea Seehorn a roubar uma cena a Odenkirk e McKean, num sermão perfeito, tem um momento à Saul Goodman como poucos outros (a gravação do anúncio, com aquele plano genial e patriótico com a bandeira ao sabor do vento) e por último 8 minutos finais representativos do que é fazer boa televisão. A loja de fotocópias, o desespero de Chuck, Jimmy na sombra, e aquele impacto da cabeça a embater na bancada.
    Para além de vários momentos singulares (as interacções de Mike com o clã Salamanca, nomeadamente), a finale "Klick" é também um excelente episódio, embora ligeiramente anti-climático tendo em conta o anterior e a não-aparição de um velho conhecido dos fãs. Mas, caramba, tem aquele flashback inicial, a experiência de Chuck no hospital realizada daquela maneira, a altíssima tensão da cena de Mike à espera de ter Hector em ponto de mira, num longo silêncio interrompido finalmente por uma buzinadela, e o "golpe" de Chuck ao irmão. Fácil de antecipar ao longo do episódio, mas incrível na mesma.


O Futuro: 
    Para quem não sabe, os fãs mais atentos descobriram que juntando as iniciais do título de todos os episódios desta temporada, ficávamos com 'SCAGRBIFNK'. Até aqui tudo bem, não fosse o facto deste anagrama, organizado de forma diferente, perfazer 'FRINGSBACK'. E é assim que aquele recado sob a forma de bilhete "Don't" pode ser atribuído a um dos melhores vilões de sempre da televisão. Ou ele, ou Nacho. Mas à partida, Gus Fring (Giancarlo Esposito) vem aí. É "só" esperar um ano.
    Para as próximas temporadas há muita coisa para descobrir: como é que Hector ficou naquela cadeira de rodas? O que é que fez Kim e Chuck saírem da vida do irmão? Com ou sem vida? E a partir de que momento é que Jimmy muda a 100% de identidade para Saul Goodman.
    Para já, e para além do autor do "Don't", a primeira grande questão será perceber as repercussões da gravação: frente-a-frente, mano-a-mano, em tribunal na 3.ª temporada. De resto, é bastante provável que o rancor e a inveja que Chuck guarda de Jimmy o levem, numa fase avançada da série, a cometer uma ilegalidade, pisando tudo aquilo em que acredita e pelo qual se rege.
    Resta-nos esperar. E depois continuar a ver a estrada que conduz Jimmy até Saul. Mas sempre com um paninho, para limpar a baba de tão bom que está a ficar 'Better Call Saul'.

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