Já lá vai um mês. Já lá vai um mês desde os artigos de antevisão em que dissemos que a final seria Portugal-França (apostando no vencedor errado, felizmente), que os franceses eliminariam a Alemanha nas meias ou que o País de Gales e a Islândia estavam no lote de principais candidatos a outsiders. Sobre Portugal, escrevemos que a nossa Selecção teria mais dificuldades na fase de grupos do que na fase a eliminar (não obstante, apontámos Portugal mesmo assim ao 1º lugar do Grupo F), que Fernando Santos só descobriria o seu 11 no decorrer da competição, que seria irónico Éder saltar do banco para marcar golos fulcrais ou que Rui Patrício poderia ser determinante num desempate de grandes penalidades. De resto, não somos videntes porque apontámos a Espanha às meias-finais, acreditámos demasiado na Áustria, e muito pouco na Hungria ou nas simpáticas Irlandas, e duvidámos de Antonio Conte e da sua Itália.
Portugal escreveu ontem à noite a página mais bonita da História do seu futebol. Querem reviver tudo outra vez? Então vamos lá. Começou tudo naquele Stade de France, com Dimitri Payet, vilão acidental na final mas herói na fase de grupos, a marcar um golaço que decidiu o jogo inaugural. Depois, os livres directos de Bale, a Espanha ao ritmo do maestro Iniesta e aquela lição italiana (e o passe de Bonucci para Giaccherini?!) diante da Bélgica. A crista de galo que os franceses perderam, tem-na sempre o eslovaco Hamsik, ele que fez a bola bater no poste antes de deslizar pelas redes russas, e enquanto isto ouvia-se por todo o Europeu o agora eterno Will Grigg's on fire. Portugal, ia empatando e Gunnarsson comandava na aceleração das palmas um exército de adeptos. Na recta final dos grupos, a Croácia surpreende nuestros hermanos, os bicampeões europeus, e nós vamos atrás dos hungáros num 3-3 de loucos. Ai, aquele calcanhar de Ronaldo. E mais que isso, ai aquele golo do nosso 24º jogador, Arnór Ingvi Traustason, o rapaz islandês que nos deu uma grande ajuda.
A doer, Quaresma marca aos 117' depois de uma grande arrancada do miúdo Renato, Griezmann começa a acordar, Shaqiri pega na bicicleta e faz o golo do torneio, Hazard passa pelos húngaros todos e a Itália volta a mostrar que sabe o que faz: até sem a bola os espanhóis ficaram. A Inglaterra desce à Terra, e os vikings islandeses sobem aos céus. E merecem. Chegam os quartos, e chega uma bomba de Renato Sanches, e uma grande penalidade decisiva que Rui Patrício defende. Os galeses garantem lugar no Top-4, com uma intensidade e entrega sobre-humanas, e numa das séries de grandes penalidades mais bizarras de que há memória, a Alemanha (moldada em função da Itália, pelo homem que leva tudo à boca) manda a squadra azzurra para casa. Cedo demais. E a selecção da casa embala, e marca 5 à Islândia. Que jogo fez Griezmann.
A caminho da final, Cristiano Ronaldo flutua suspenso no ar, mostra que está acima dos mortais, e cabeceia para o primeiro de dois golos lusitanos. A França esconde-se à espera dos erros da Alemanha, eles acontecem, e Griezmann não perdoa.
Chega a Final, e o profeta Fernando Santos cumpre o sonho. Grava-se Portugal na taça, mas tudo antes foi sofrimento, lágrimas e suor. Ronaldo chora e nós choramos com ele. Vemos nele aquele miúdo de 19 anos a chorar doze anos antes ao perder com a Grécia. A equipa une-se e o número 7 mostra a tudo e todos, inequivocamente, o homem que é e a justiça com que é capitão. O tempo passa e os franceses temem viver o Euro-2004, e ainda por cima nós temos o homem que tirou o mestrado com os gregos. Ao minuto 109, acontece tudo à filme: o mal amado Éder, bem amado e motivado por Ronaldo minutos antes, deixa a perna direita ser tocada por Eusébio e ele, lá em cima, sorri enquanto todos correm atrás do ponta-de-lança que não marca golos. Mas que marcou um que ninguém esquecerá. E a imagem final que guardamos, para além do erguer da taça, não são as lágrimas de tristeza do capitão, caído e consciente que não dá para continuar, mas sim as lágrimas de felicidade de quem está de pé, a vibrar como nunca com os colegas, com um país inteiro naquele olhar.
Os Melhores 23 (elementos do Melhor 11 a azul):
- Guarda-Redes: Rui Patrício (Portugal), Hugo Lloris (França), Gianluigi Buffon (Itália)
- Defesas: Joshua Kimmich (Alemanha), Ragnar Sigurdsson (Islândia), Laurent Koscielny (França), Pepe (Portugal), Leonardo Bonucci (Itália), Giorgio Chiellini (Itália), Raphaël Guerreiro (Portugal)
- Médios: Joe Allen (País de Gales), Aaron Ramsey (País de Gales), Toni Kroos (Alemanha), Renato Sanches (Portugal), Gregorz Krychowiak (Polónia)
- Extremos/ Avançados: Dimitri Payet (França), Eden Hazard (Bélgica), Ivan Perisic (Croácia), Gareth Bale (País de Gales), Cristiano Ronaldo (Portugal), Antoine Griezmann (França), Olivier Giroud (França), Nani (Portugal)
Globalmente temos 6 portugueses, 5 franceses, 3 galeses, 3 italianos, 2 alemães e 1 representante da Bélgica, Croácia, Islândia e Polónia. Entre os postes, numa competição em que não houve um super-destaque, Rui Patrício foi a principal figura. O guardião português brilhou na final e juntou a isso o seu carácter determinante nos penalties com a Polónia. Lloris (grande jogo com a Alemanha) e Buffon (sofreu apenas 1 golo) completam as nossas escolhas. Neuer teve as suas falhas, e os melhores da fase de grupos (McGovern e Sommer) saíram cedo do torneio.
Na defesa, e embora jogadores como Ben Davies, Jonas Hector, Jérôme Boateng, James Chester e Kamil Glik também pudessem aqui marcar presença, optámos pelo surpreendente Joshua Kimmich (não há dúvidas, até pela sua inteligência e qualidade a desempenhar várias posições, que pode marcar a próxima década do futebol alemão), e pela consistência impressionante do nosso lateral-esquerdo Raphaël Guerreiro. Escolhendo apenas 7 defesas, 5 deles são centrais. Pepe e Leonardo Bonucci foram os dois grandes destaques, com estilos diferentes mas com um nível altíssimo, acompanhados por Giorgio Chiellini, Laurent Koscielny e por Ragnar Sigurdsson, em representação da grande campanha islandesa.
No meio-campo há dois nomes indiscutíveis: Aaron Ramsey e Toni Kroos. O galês, que ao marcar num Europeu "originou" o brexit, jogou como nunca, e fez muita falta na meia-final com Portugal; já Kroos, voltou a demonstrar que é um dos melhores médios da actualidade. O carrossel alemão gira em torno dele. De resto, Joe Allen deixou-nos babados em vários jogos, Renato Sanches foi a dose de adrenalina e irreverência que a nossa Selecção precisava para conferir electricidade a uma equipa tépida, e Gregorz Krychowiak surge nos nossos 23, embora com mais vagas entrariam jogadores como Adrien, Giaccherini ou Bjarnason. Iniesta (os 2 primeiros jogos do Euro, surreais) e Modric pareciam destinados a estar aqui, mas não aconteceu.
Dimitri Payet foi o rei da fase de grupos, carregando a França até Griezmann disparar, Eden Hazard acabou com 1 golo e 4 assistências, teve o melhor desempenho individual neste Euro (diante da Hungria, num nível do qual apenas Griezmann se aproximou em 2 jogos da fase a eliminar), Ivan Perisic foi o melhor croata e Gareth Bale, solto em terrenos mais centrais, fez as coisas acontecerem para a sua pátria. Na frente, Cristiano Ronaldo não teve no seu melhor em campo (grandes jogos contra Hungria e País de Gales, funcionando e trabalhando em prol da equipa a partir dos oitavos) mas saiu incrivelmente valorizado como Homem e como líder/ capitão; Antoine Griezmann foi o melhor marcador, aparecendo em grande quando os jogos começaram a apertar, e decidimos premiar também o trabalho "invisível" de Olivier Giroud e Nani. Ambos marcaram e assistiram, mas destacaram-se sobretudo pela forma como souberam trabalhar e libertar respectivamente Griezmann e Ronaldo.
Melhor Jogador:
1 - Antoine Griezmann (França). 2 - Gareth Bale (País de Gales). 3 - Pepe (Portugal).
Griezmann, Bale, Pepe, Payet, Bonucci, Ramsey, Ronaldo e Kroos. Estes 8 jogadores, todos eles integrantes do nosso Melhor 11, marcaram este Europeu. Analisando a frio, o rapaz do Atlético Madrid cujo avô jogou no Paços de Ferreira foi, para nós, o Melhor Jogador deste Euro-2016. Griezmann acabou com 6 golos e uma assistência, destacando-se da concorrência pela forma como jogou nos jogos a eliminar (simplesmente fantástico contra Irlanda, Islândia e Alemanha). Gareth Bale carregou o seu País de Gales, parecendo diversas vezes imparável e mostrando que é efectivamente um dos melhores do mundo. E o nosso português Pepe foi o melhor dos jogadores de Portugal, o melhor defesa em prova e um portento (destacou-se sobretudo contra a Croácia, Polónia e França). Talvez Payet tenha jogado "mais", mas fê-lo na fase de grupos, enquanto Pepe cresceu em jogos com outro peso.
Em relação a Cristiano Ronaldo, a conjugação Champions+Europeu, e a forma dramática como nos fez a todos sofrer com ele e vibrar com a sua paixão mais tarde, embora não o coloquem no nosso pódio, colocam-no como grandíssimo favorito a vencer a próxima Bola de Ouro.
Melhor Marcador:
1 - Antoine Griezmann (França). 2 - Cristiano Ronaldo (Portugal). 3 - Olivier Giroud (França).
Melhor Jogador Jovem:
1 - Renato Sanches (Portugal). 2 - Joshua Kimmich (Alemanha). 3 - Arkadiusz Milik (Polónia)
O miúdo que revolucionou o Benfica, que muitos não queriam na Selecção mas que nós defendemos sempre com unhas e dentes, revolucionou também Portugal. Todos conseguimos ver que Renato Sanches tem ainda muito para crescer (e estar no Bayern, com Ancelotti, ajudá-lo-á a saber decidir melhor, temporizar, e perceber que correr muito nem sempre é correr bem) mas é impossível não ver quão especial ele é. Há coisas que os números não explicam, e Renato tem essa aura: ele entra, e contagia a equipa toda. Agarra as oportunidades, e não mais sai. Kimmich e Milik fecham o pódio, com o húngaro Nagy como menção honrosa.
Melhor Seleccionador:
1 - Antonio Conte (Itália). 2 - Chris Coleman (País de Gales). 3 - Fernando Santos (Portugal).
Para analisar o trabalho de cada seleccionador temos que considerar uma série de variáveis: o impacto que consegue ter na coesão do grupo, a capacidade que tem em edificar uma ideia de jogo e uma identidade numa competição como esta, os resultados e o futebol proposto.
Este conjunto de variáveis fazem do italiano Antonio Conte, próximo treinador do Chelsea, o seleccionador nº 1 deste Euro-2016. Passou a sua paixão e garra para os seus jogadores, respeitando o ADN italiano e conseguindo estudar bem cada adversário - surreal a forma como anulou a Bélgica e a Espanha, "obrigando" Löw a mudar a sua Alemanha, que acabou por eliminar a Itália apenas nas grandes penalidades. Em todos os momentos dos jogos da Itália houve a sensação que o plano estava a ser seguido, e que os jogadores sabiam o que tinham que fazer. Foram consistentes, organizados e o trabalho de casa estava patente no jogo.
Chris Coleman, o obreiro da presença do País de Gales nas meias-finais, é o representante dos underdogs. Numa competição em que os outsiders foram Gales e a Islândia (treinada pela dupla Lagerbäck e Hallgrímsson), Coleman soube fazer muito com pouco, mostrou enorme qualidade na leitura dos jogos com as substituições que fez em vários momentos tendo impacto a partir do banco, e conseguiu perceber logo à partida qual o melhor esquema para potenciar da melhor forma os seus jogadores e as suas características. E não se limitou a defender e contra-atacar, veja-se o jogo com a Bélgica.
Por fim, o nosso. Fernando Santos, o nosso profeta sempre crente mas rezingão, conseguiu o que nunca antes foi feito, e dotou a equipa duma união e coesão nunca antes vista, com a equipa a privilegiar a organização defensiva (por isso mesmo sempre acreditámos que Portugal, alérgico ao ataque organizado, seria melhor a partir dos oitavos) e recusando-se a perder. A parca qualidade do futebol jogado é, honestamente, apenas um pormenor numa competição de Selecções com máximo de 7 jogos, embora Portugal tivesse obrigação de apresentar melhor futebol na fase de grupos. Mais importante e "grave", foi a forma como FS demorou a encontrar um 11 que nos parecia mais ou menos evidente ao fim de jogo ou jogo e meio, num desnorte que só encontrou Norte quando a equipa saiu viva dos grupos e começou a encarar cada eliminatória como uma batalha e uma final. Somos de opinião que a sorte e o azar raramente entram em campo (a lesão de Ronaldo na final é um exemplo em que o azar esteve realmente presente), mas é indiscutível que Fernando Santos teve sorte quando, determinado em defender um resultado que nos atirava para a metade "negra" do quadro com Inglaterra, França, Alemanha, Itália e Espanha, acabou por ver Portugal ser colocado na metade mais favorável graças a um golo do islandês Traustason quando o nosso jogo já terminara.