Um artigo. Dois textos. Dois filmes. Dois realizadores galardoados com os óscares de melhor filme e melhor realizador em 2010 e 2011. A senhora Bigelow traz-nos um filme como ela tanto gosta: de guerra. Não uma guerra às claras, mas o backstage da infinita operação para encontrar e matar Osama Bin Laden. Supostamente terá sido assim. Bom papel de Jessica Chastain (já elogiada neste humilde blog há um longo tempo). Depois, vem o Tom Hooper e os seus actores cantantes. Wolverine mostra a voz que o mundo já sabia que ele tinha, tal como Anne Hathaway. Lá que eles têm alma a cantar/ interpretar, têm. Só é esquisito o Gladiador cantar. Só um bocadinho. Pronto, não é um bocadinho. É muito.
Zero Dark Thirty
Realizador: Kathryn Bigelow
Argumento: Mark Boal
Elenco: Jessica Chastain, Jason Clarke, Mark Strong, James Gandolfini, Joel Edgerton, Kyle Chandler
Classificação IMDb: 7.7
Olá Kathryn Bigelow. Não foste nomeada para melhor realizadora. Que pena. Assinado: James Cameron.
Zero Dark Thirty (00:30 Hora Negra) é um filme com um tema que estava mesmo a pedi-las: Osama Bin Laden. Bigelow, num argumento de Mark Boal, dupla que já tinha funcionado em “The Hurt Locker” esmiuça a década de perseguição ao líder da Al-Qaeda, numa viagem episódica aos bastidores da CIA, acompanhando uma investigação que parecia infindável. Não querendo pôr em causa a veracididade dos factos, a Bigelow diz que todo o filme é baseado em factos verídicos.
No ano passado, quando dissemos quem nomearíamos para óscar e a quem entregaríamos a estatueta dourada, na categoria de melhor actriz secundária, votámos em Jessica Chastain duas vezes – em The Help e Take Shelter, defendendo o óscar para a actriz pelo seu papel no 2º filme referido. Pois bem, no ano passado a Academia não lhe deu a atenção que nós demos, mas este ano está nomeada para Melhor Actriz Principal. Chastain (no papel de Maya). Mas já voltamos à Jessica. Zero Dark Thirty (30 minutos depois da meia-noite, hora a que supostamente Bin Laden foi morto) tiveram que ser mudado porque estava já a ser desenvolvido quando Bin Laden foi morto. O que ia ser apenas um filme sobre as estratégias e missões na busca de OBL, acabou reformulado. Inicialmente ia-se chamar “Kill Bin Laden”, mas se calhar alguém achou que isso era ligeiramente forte, não sei, digo eu. Curioso também o facto de o filme ter sido quase entregue a James Cameron, ex-marido de Bigelow, mas este ter desistido por querer trabalhar na sequela de Avatar.
O filme é interessante. Pessoalmente, acaba por ser mais interessante que Argo, embora seja mais fácil gostar de Argo, porque é mais cinematografado. Muita investigação resultou naquele que foi definido como “a história da maior caça humana da História para o homem mais perigoso do mundo”.
Tal como Argo, Zero Dark Thirty não me enche os meus olhos cinéfilos, mas são dois filmes cultural, histórica e politicamente interessantes de ver. Encontro em Chastain aquilo que Bigelow é – uma mulher na guerra. Para além de figurar num “mundo” (a realização) onde as mulheres são uma minoria, tem-se orientado ultimamente para a Guerra – The Hurt Locker e agora este.
Jessica Chastain contextualiza a sua realizadora mas personifica a américa na perfeição. O desespero e a incapacidade de dormir e descansar enquanto não tivesse a sua missão terminada vêem-se cena a cena, no evoluir da sua frieza, tendo sempre foco e acreditando nas suas decisões mais que ninguém. Maya (Chastain) dedica a vida ao país, numa procura por um assassinato no qual ao ver determinados olhos fechados, aceita a paz e percebe, aí, que após uma década de esforços, não sabe e não tem para onde ir. Nomeação justa da actriz, do filme, logo veremos.
Les Misérables
Realizador: Tom Hooper
Argumento: Claude-Michel Schönberg, Alain Boublil, Victor Hugo, Herbert Kretzmer, Jean-Marc Natel, William Nicholson
Elenco: Hugh Jackman, Russell Crowe, Anne Hathaway, Amanda Seyfried, Eddie Redmayne, Sacha Baron Cohen, Helena Bonham Carter, Aaron Tveit, Samantha Barks
Classificação IMDb: 8.1
Ora bem, o que é que têm em comum o Wolverine, o Gladiador, a filha da Mamma Mia, o Borat e a Princesa que tinha um diário? Pois é, são miseráveis. Les Misérables é, por assim dizer, um episódio do Glee mas com muito pedigree. Na realidade não, mas era uma piada que se podia fazer. E assim já foi feita.
Tom Hooper gosta muito da voz. No Discurso do Rei explora a dificuldade de oralidade num líder, e desta feita pegou no musical de Victor Hugo e fez mais um remake. Mais uma vez, a história incide sobre Jean Valjean (Hugh Jackman), o homem que roubou um pão e tornou-se o prisioneiro nº 24601. Sim, ele roubou um pão. Valjean quebra a sua liberdade condicional, assumindo uma nova identidade para que a sociedade o aceite e para fugir ao polícia Javert (Russell Crowe), obcecado em prendê-lo. A nova identidade de Valjean - Senhor Madeleine – leva-o a abraçar a vida de uma nova forma, acabando por se encontrar ao cuidar da filha, chamada Cosette, de uma costureira pobre - Fantine (Anne Hathaway) – que trabalha para sustentar a sua filha que está a viver com outra família. Para a sustentar ela vende o cabelo, dá dois dentes e faz outras coisas. Sim, reforço, a personagem principal roubou um pão e esta personagem vende o cabelo e dois dentes. E mais coisas. Não faz sentido contar mais porque aí isto seria um spoiler.
O grande factor X do filme de Tom Hooper é o facto de as músicas terem sido gravadas ao vivo e não editadas em estúdio na pós-filmagem, como em todos os outros musicais em cinema. Os actores cantam com sentimento e dão tudo de si e há momentos emocionantes. Não sendo o meu tipo de filme, é intenso em vários momentos, compreendendo-se as nomeações de Hugh Jackman e Anne Hathaway para os óscares. Eles que venceram recentemente cada um 1 globo de ouro.
Para Les Misérables, Hugh Jackman perdeu 15 quilos e Hathaway perdeu 11. Sim, o critério de nomeação para os óscares agora é semelhante aos critérios semanais nos Biggest Loser’s. Mas o Jackman fez mais, e passou 36 horas sem água, para supostamente perder peso à volta dos olhos e bochechas e parecer um prisioneiro. E, a título de curiosidade, a farta barba do Wolverine enquanto escravo e pobre, é mesmo dele. A produção teve que esperar que ele fizesse a barba e recuperasse o peso normal para filmarem as cenas dele após adoptar nova identidade. Não sei o que lhe terá demorado mais. O filme foi concebido para ter 4 horas, mas acabaram por perceber que tinham que cortar algumas partes e ficou só com 2 horas e 30 e tal minutos. É interessante porque parece que hoje em dia é condição sine qua non para um filme de óscar ter uma longa duração: Les Misérables, Django Unchained, Silver Linings Playbook, Zero Dark Thirty, Lincoln, Amour, Life of Pi e Argo têm todos, pelo menos 2 horas. Só Beasts of the Southern Wild tem menos, mas curiosamente também tem menos lógica estar nomeado para melhor filme.
Sim, há grandes canções como "I dreamed a dream" mas há uma canção peculiar que me fez recordar "Mauzão, Mauzão, nos ossos ninguém põe a mão".
É difícil, admito, aceitar Russell Crowe, o Gladiador, o Cinderella Man, a cantar. Mas depois lá se aceita. Ou então não, mas quase. O destaque do filme vai para a espontaneidade e emoção colocada nas interpretações deste musical do grande ecrã. Hugh Jackman e Anne Hathaway (que nem entra assim numa % tão elevada do filme) dão tudo nas suas performances, sendo que num degrau mais baixo os restantes destaques seriam até Eddie Redmayne e Samantha Barks. Se é filme de óscar? Para mim se calhar não, porque eu preferia ver um lote de 5 bons filmes nomeados. Em 9 filmes, talvez mereça o seu lugar. Mas é um bom musical, anos-luz superior a um suposto sucesso como Mamma Mia por exemplo. O Tom Hooper vai-se safando (The Damned United, King’s Speech, Les Misérables) e vamos ver como a Academia encara o filme. Garantido parece estar, à partida, o óscar de melhor actriz secundária para Anne Hathaway. MP