Lady Bird procura a aprovação da mãe, e o agente Dixon ouve música, aluado, sem se aperceber das chamas que o rodeiam. Ao pegar numa pasta, inicia uma jornada de redenção. Numa cena a três, e sem qualquer humano presente, K é seduzido pela fusão de Joi e Mariette. X-23 crava o X que marca a despedida de Wolverine, e del Toro abre as portas do seu maravilhoso imaginário para apresentar um amor à prova de água. Baby tem as mãos no volante e os auscultadores nos ouvidos, põe a chave na ignição, e vamos lá a isto.
Uma vez mais - já é a sétima edição - eis os Óscares Barba Por Fazer. Aqui não há hipocrisias nem politiquices, não há pianos que convidam a encurtar discursos ou infinitos intervalos publicitários. Face à nossa necessidade de defender os ignorados e lançar para o Cosmos, deixando registado algures as nossas opiniões, abaixo encontrarão a nossa apreciação e a nossa ideia de justiça relativamente ao último ano do Cinema. As categorias abaixo (mantemos apenas doze, com duas "extra") representam os nossos devaneios, diferindo em muitos casos os vencedores e mesmo nomeados da Academia. E sim, viemos vestidos como há um ano atrás, à Breaking Bad. Porque não?
Bem-vindos aos Óscares Barba Por Fazer 2018.
Mais filmes com mulheres como protagonistas foi uma das assinaláveis tendências de 2017 (Three Billboards, Lady Bird, The Shape of Water, The Florida Project, I, Tonya ou Wonder Woman são exemplos), o que não invalida que para nós o melhor filme do ano envolva dois homens. Call Me By Your Name é uma obra de arte intemporal e a história que mais ficou connosco este ano no pós-filme.
Blade Runner 2049 elevou Denis Villeneuve a uma espécie de Deus da ficção científica contemporânea, Dunkirk não sendo o melhor filme de Nolan foi aquele que mais conquistou a crítica (tem o mérito de ser possivelmente destes 10 nomeados o filme que perde menos se se retirar todos os diálogos, o que atesta o bom storytelling), e tanto Get Out como Lady Bird, em géneros bem diferentes, representaram o primeiro passo de autores visionários - Peele e Gerwig - cheios de personalidade.
Three Billboards Outside Ebbing, Missouri e Phantom Thread são o tipo de filmes que faz sentido desconstruir e ter presentes numa cerimónia que celebra o expoente máximo da 7.ª Arte, mas ao invés de coisas como The Shape of Water, The Post ou Darkest Hour, preferimos destacar projectos independentes subvalorizados. A saber: o intenso e psicadélico Good Time, o equilibrado e suave Columbus e The Florida Project, um mundo marginal captado pelo olhar inocente de uma criança. Estaremos atentos aos próximos projectos de Sean Baker.
Christopher Nolan reinventou-se - Dunkirk é a antítese da exposição desmedida - e, sem abdicar da sua obsessão pelo tempo ao apresentar três linhas temporais diferenciadas pelos meios (terra, mar, ar), acrescentou algo ao universo dos filmes de guerra: um filme que acompanha apenas um dos lados, pontuado pela ansiedade de quem só quer sobreviver.
Infelizmente sem espaço para Sean Baker (The Florida Project) e Greta Gerwig (Lady Bird), era obrigatório incluirmos Luca Guadagnino e Jordan Peele. O trajecto recente do realizador italiano levava a crer que, mais cedo ou mais tarde, surgiria uma obra-prima como Call Me By Your Name; já a estreia do comediante Jordan Peele como cineasta-autor de terror psicológico foi uma das melhores surpresas do ano. Por fim, Paul Thomas Anderson. Porque, embora Phantom Thread não seja um filme para as massas, hoje em dia ver um filme realizado por PTA é uma honra e parece quase batota para com a concorrência.
O que Timothée Chalamet fez em Call Me By Your Name muitos actores não conseguem fazer uma vez na carreira. E nem a suposta última vez de Daniel Day-Lewis nem Gary Oldman (os seus olhinhos e a sua voz algures debaixo daquela fantástica caracterização), que tanto gostávamos que tivesse um óscar (e terá, na realidade) chegaram para tirar o jovem actor de 22 anos da nossa pole position. Nenhum papel foi tão emocionante no último ano, mérito de um actor que com juízo e trabalho pode marcar os próximos 50 anos, e que confiou no maestro Guadagnino e no seu coadjuvante Armie Hammer.
A única diferença que apresentamos face aos nomeados da Academia é a troca de Denzel Washington por Robert Pattinson. Falar do desempenho de Pattinson em Good Time é falar de intensidade, de um actor mergulhado na personagem. Um crime ter sido deixado de fora. Finalmente, se Get Out se tornou o fenómeno que tornou, muito o deve à sinceridade e simplicidade de Daniel Kaluuya, o espelho da audiência ao longo do filme. E como se não chegasse, há aquele rio de lágrimas em forma de colapso petrificado no sofá.
Sally Hawkins (apenas menção honrosa para nós, por The Shape of Water, juntamente com Aubrey Plaza por Ingrid Goes West) e Meryl Streep não marcam presença no nosso Top-5. Impossível, no entanto, deixar de fora Saoirse Ronan (3 nomeações aos 23 anos, sem dúvida uma das melhores actrizes da sua geração) e Margot Robbie, que mostrou estar à altura do desafio que representava ser Tonya Harding.
Preferimos depois destacar Haley Lu Richardson, magnética no indie Columbus mas ignorada por todas as entregas de prémios, e a pequena Brooklynn Prince. Não é normal aquilo que fez com apenas 7 anos de idade. Mesmo.
Em comparação com a Academia, para além de Rockwell, temos também Willem Dafoe nos nossos cinco. Oxalá possamos vê-lo mais vezes em filmes low profile como The Florida Project.
Plummer, Jenkins e Harrelson dão aqui lugar a Barry Keoghan, Benny Safdie e Armie Hammer. E custa-nos deixar de fora Michael Stuhlbarg (aquele discurso final...) e Tom Hardy, que praticamente só com o olhar, mostrou em Dunkirk que está numa galáxia à parte. Em relação aos nossos três escolhidos, Barry Keoghan foi uma revelação com uma personagem perturbadora ao serviço do grego Yorgos Lanthimos, Benny Safdie (um dos realizadores de Good Time) merecia mais tempo de ecrã no melhor filme da carreira de Robert Pattinson, e Armie Hammer revelou ser uma escolha de casting notável em Call Me By Your Name. Do alto do seu 1,96m desceu à Terra para mesclar vulnerabilidade com sensualidade.
O ano das mães. Nomeadas tanto pela Academia como por nós, Laurie Metcalf, Allison Janney e Holly Hunter foram as três absolutamente decisivas no sucesso de Lady Bird, I, Tonya e The Big Sick. Talvez por isso, convém primeiro falar das restantes duas nomeadas. A Academia escolheu Mary J. Blige e Octavia Spencer, só porque sim, mas tanto a luxemburguesa Vicky Krieps (não é fácil estar ao nível de Day-Lewis, e ela conseguiu-o) como Tatiana Maslany (para quem a acompanhou em Orphan Black não surpreende a pedalada que teve para a intensidade já habitual de Gyllenhaal) mereciam mais. Menções honrosas para Nicole Kidman (The Killing of a Sacred Deer) e Elizabeth Marvel (The Meyerowitz Stories).
Voltando ao trio de "mães-galinha", Holly Hunter é a alma da história de amor de Kumail Nanjiani e Emily V. Gordon. Numa origin story de um casal, o brilho maior foi dos pais, com Hunter e Ray Romano a atirarem o filme para outro patamar. Allison Janney (a mais provável vencedora do óscar) assumiu a pele de uma mãe fria, capaz de levar a filha ao limite. Excelente desempenho, excelente personagem.
De forma subtil, Laurie Metcalf ofereceu-nos uma das melhores performances do ano. A mãe de Saoirse Ronan em Lady Bird foi a representação perfeita de preocupação e fraternidade demonstrada em acções e não em palavras. O grande mérito de Greta Gerwig em Lady Bird esteve na forma como a dado momento o POV do filme pertence tanto a Metcalf como a Ronan. Durante aquela 1h30 em momento algum suspendemos a nossa descrença em relação àquela ser uma genuína relação de mãe e filha.
Jordan Peele tem uma cabecinha especial, e Get Out tem tudo para ser um impressionante ponto de partida para um autor que sabe usar a câmara como sua voz e que, sem exageros, deu ares de Hitchcock no seu primeiro filme. O terror social de Get Out está alicerçado num guião extraordinário, recheado de pormenores deliciosos que se descobrem à 2ª ou 3ª visualizações.
Depois, Lady Bird é a pureza de Greta Gerwig, o seu amor por Sacramento e um guião mais saboroso para quem já foi parte integrante ou espectador de relações entre mãe e filha, tão difíceis mas tão bem transpostas para o ecrã.
Three Billboards Outside Ebbing, Missouri é Martin McDonagh a mostrar-nos uma vez mais que dentro dele há algo de Coen e de Tarantino, e as nossas diferenças em relação à Academia são a inclusão de Columbus e Wind River. Taylor Sheridan não pára.
Numa categoria mais fraca do que os argumentos originais, Call Me By Your Name é para nós o legítimo sucessor de Arrival. Com 89 anos, James Ivory adaptou com mestria a obra de André Aciman e deixou esculpido um corpo ao qual Luca Guadagnino, Timothée Chalamet, Armie Hammer, Michael Stuhlbarg ou Sufjan Stevens souberam todos dar vida.
Blade Runner 2049 é tudo aquilo que uma sequela devia ser - inclui a nostalgia da primeira vez, inova com respeito, referencia com saudade e arrisca com coragem. The Disaster Artist, Logan (um dos melhores filmes de super-heróis dos últimos anos) e Mudbound fecham as nossas contas, mas percebe-se a menor qualidade desta categoria quando as três menções honrosas dos originais (Phantom Thread, The Big Sick e A Ghost Story) caberiam todos aqui.
Há um ano atrás, nas nossas 4 categorias técnicas foi um 4 em 4 para La La Land. Desta vez há quatro vencedores diferentes. Baby Driver, Dunkirk e I, Tonya são os três portentos de Edição do ano. Três filmes com claro "dedo" na montagem, com um ritmo determinante na apreciação global dos filmes. Mas o filme de Edgar Wright está, nesse capítulo, um degrau acima da concorrência. Considerado por alguns um musical de acção ou um videoclipe de quase duas horas, é uma lição de como editar, elevando a fasquia nas perseguições de automóvel e na ousadia de fazer da música do protagonista sempre a nossa música. A primeira sequência do filme é... qualquer coisa.
Na Fotografia, depois de acrescentar o seu olho inconfundível a filmes como Sicario, Prisoners, Skyfall, The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford, No Country for Old Men, The Village, The Big Lebowski ou Fargo, sem nunca ter conquistado um óscar por qualquer um destes trabalhos, Blade Runner 2049 tem que representar justiça para Roger Deakins! Acreditamos que a Academia não o ignore, mas em todo o caso fica aqui esta espécie de consolo nas nossas consciências.
Entre cinco bandas sonoras muitíssimo diferentes, mas perfeitamente adequadas aos ambientes dos filmes, optámos por destacar o trabalho de Jonny Greenwood, guitarrista dos Radiohead, em Phantom Thread. A nível de canções originais, não hesitámos em nomear duas músicas que Sufjan Stevens compôs de raíz para Call Me By Your Name. Vantagem para "Mistery of Love", que capta melhor a essência do filme, embora "Visions of Gideon" tenha um peso brutal na despedida do filme e de Elio. "The Pure and the Damned", "I Get Overwhelmed" e "Remember Me" combinam todas o facto de serem boas músicas com o impacto narrativo.
Total de Nomeações Barba Por Fazer:
9 - Call Me By Your Name;
5 - Three Billboards Outside Ebbing Missouri, Dunkirk, Good Time, Phantom Thread, Columbus
4 - Blade Runner 2049, Get Out, Lady Bird;
3 - I, Tonya, The Florida Project;
2 - A Ghost Story;
1 - Baby Driver, The Shape of Water, Wind River, Darkest Hour, The Big Sick, Stronger, The Disaster Artist, Logan, Mudbound, The Killing of a Sacred Deer, Coco.
Rookie do Ano: Timothée Chalamet. Outros nomeados: Ana de Armas, Brooklynn Prince, Caleb Landry Jones, Barry Keoghan.
Nos últimos anos temos sempre eleito um conjunto de jovens actores, verdadeiras revelações para a Sétima Arte. Jack O'Connell, Adèle Exarchopoulos, Lakeith Stanfield, Lupita Nyong'o, Bel Powley, Jacob Tremblay, Anya Taylor-Joy ou Lucas Hedges já todos passaram aqui.
Este ano, o destaque máximo vai, com naturalidade, para Timothée Chalamet. Graças a Lady Bird e sobretudo ao seu tocante desempenho em Call Me By Your Name, o rapaz que Saoirse Ronan diz ser o próximo Daniel Day-Lewis mostrou que, com trabalho e alguma sorte, tem tudo para ser um dos actores mais marcantes dos próximos largos anos.
Num quinteto em que por pouco não incluímos Harris Dickinson (Beach Rats), Sophia Lillis (IT), Grace Van Patten (The Meyerowitz Stories) e Esther Garrel (Call Me By Your Name) e no qual não colocamos Daniel Kaluuya por já o conhecermos há vários anos, são 4 os nomes que fazem companhia a Chalamet. A angelical e sedutora Ana de Armas, embora já com 29 anos, mostrou em Blade Runner 2049 como Joi que pode ter uma carreira melhor do que outrora prevíamos. Caleb Landry Jones saiu do anonimato aos 28 anos e num só ano entrou em Get Out, Three Billboards e The Florida Project, acrescentando sempre qualidade. O irlandês Barry Keoghan entrou em Dunkirk mas foi em The Killing of a Sacred Deer que nos surpreendeu, e Brooklynn Prince teve aos 7 anos um dos melhores desempenhos de crianças no grande ecrã desta década.
Relativamente à nossa Personalidade do Ano, o nosso volátil critério permite-nos ser um pouco criativos. Por diferentes motivos, esta categoria já nos serviu para reconhecer os super-anos de Matthew McConaughey, Tom Hardy e Alicia Vikander, ou o facto de Richard Linklater ter entregue 12 anos da sua vida a um filme. Num ano positivamente marcado pelas mulheres, tanto no cinema como na televisão, Gal Gadot emerge como símbolo. A Mulher-Maravilha, com a sua força, elegância e carisma, foi uma lufada de frescura no sector, e um exemplo a seguir pela sua postura no ecrã e na vida real.
Bem, estas são as nossas opiniões. Fiquem à vontade para dar as vossas.
Agora tentem dormir a sesta, para logo aguentarem os Óscares da Academia até ao fim. E com o Warren Beatty e a Faye Dunaway a entregarem uma vez mais o óscar de melhor filme, nunca se sabe o que aqueles diabretes podem tramar desta vez...