Argumento: Jonathan Nolan, Christopher Nolan
Elenco: Matthew McConaughey, Anne Hathaway, Jessica Chastain, Mackenzie Foy, David Gyasi, Casey Affleck, Wes Bentley, Michael Caine, Ellen Burstyn, Matt Damon
Classificação IMDb: 8.6 | Metascore: 74 | RottenTomatoes: 71%
Classificação IMDb: 8.6 | Metascore: 74 | RottenTomatoes: 71%
Classificação Barba Por Fazer: 91
De génio. 'Interstellar' é o filme do momento, com larga margem o alvo a abater nos Óscares Barba Por Fazer (a Academia deve ir por outros caminhos), e um dos filmes mais ousados, completos, ambiciosos e marcantes do século XXI.
Tudo começou na cabeça de Jonathan Nolan, o irmão mais novo do realizador Christopher Nolan (que até agora tinha em The Dark Knight, Inception, The Prestige e Memento os seus maiores êxitos). Jonathan idealizou tudo o que é Interstellar, baseando-se nos estudos do físico Kip Thorne (consultor do filme), e indo ele próprio assistir a aulas sobre a Relatividade numa universidade norte-americana. Jonathan, o homem que fica na sombra, escreveu o argumento para Spielberg mas a história acabou - qual atracção gravítica - por ir parar ao irmão Christopher Nolan, que adaptou ligeiramente o argumento em sintonia com o irmão 6 anos mais novo.
'Interstellar' tem uma vez mais o Tempo como elemento essencial das acções de um filme de Nolan, ele que inovou no formato em Memento e brincou com o tempo, ao explorar os sonhos, em Inception. Mas Nolan não é obcecado pelo tempo, é apaixonado por ele. E desta vez dá-nos o seu filme mais emocional, mais ambicioso e vanguardista, com mais mensagem e com um elemento-chave: o amor, entre pai e filha.
A história é complexa mas perfeita, e importa não revelar demais, mas digamos que: num futuro não muito distante a humanidade, para sobreviver e evitar a extinção, tem que contemplar a hipótese de encontrar um novo planeta, noutra galáxia e sistema, que reúna condições para a vida humana. Cooper (Matthew McConaughey) é um ex-piloto da NASA, "relegado" para agricultor por força das circunstâncias, com dois filhos, Murph e Tom. O plano para salvar a humanidade da Terra (A) ou partir do zero noutro planeta (B) faz com que o professor Brand (Michael Caine) envie 4 pilotos - Cooper, Amelia Brand (Anne Hathaway), Romilly (David Gyasi) e Doyle (Wes Bentley) - numa viagem que contempla buracos negros e wormholes. E é na distorção temporal destes fenómenos, capaz de criar timelines diferentes, que reside a primeira força do filme.
Mas a força essencial do filme é a relação Cooper-Murph, a forma como Nolan nos expõe, nas palavras habitualmente sábias de Amelia Brand, o amor como a única força capaz de transcender o tempo e o espaço; 'Interstellar' é graficamente uma beleza digna de ser contemplada mas dá 40-0 a nomeadamente um 'Gravity' no momento em não se limita a ser perfeito na imagem e na edição, tendo uma alma, um coração próprio que emociona qualquer um.
Contrariamente à maioria dos filmes, o trailer de 'Interstellar' teve a inteligência de guardar toda a 3.ª parte do filme, onde a magia acontece verdadeiramente. Ao ver a promoção do filme podíamos ficar com a ideia "O quê? O Nolan vai fazer um Armageddon?", mas conhecendo-o era fácil antecipar que algo especial estava bem guardado. O filme cresce, conquista-nos progressivamente, embora nos hipnotize e prenda desde o primeiro momento. Os diálogos e alguns momentos ganham sentido à posteriori, e somos envolvidos numa Odisseia em que as mensagens - interpretações aparte nas escassas pontas que Nolan deixa intencionalmente soltas - a reter são claras: a humanidade deve arriscar e abraçar o risco e o desconhecido, como exploradores, pioneiros e descobridores que somos, mas nunca esquecendo que o devemos fazer tendo sempre alguém ao lado. Alguém para cuidar, alguém para amar, alguém para quem voltar.
Para além do trabalho dos irmãos Nolan, tem que ser tremendamente elogiada a banda sonora de Hans Zimmer - como sempre em tudo adequado a cada momento, perfeito na forma como acrescenta valor a cada cena e como a torna ainda mais épica (o acoplamento, por exemplo). E já agora importa também elogiar a marcante cinematografia de van Hoytema, ele que trabalhou o ano passado em 'Her', "safando-se" com distinção nesta viagem pelo espaço e tempo, no primeiro filme em que a Fotografia de Nolan não fica a cargo de Wally Pfister.
E isto leva-nos ao elenco, aos actores, aos desempenhos que materializam a ideia base e uma realização, argumento, banda sonora e edição de excelência. Tirando o Joker de Heath Ledger em The Dark Knight, em mais caso nenhum podemos dizer que os filmes de C. Nolan são "filmes de actor" - aqueles em que determinado desempenho rouba o protagonismo à concepção criativa, ao realizador. Em 'Interstellar' mais uma vez isso não acontece, embora os actores estejam excelentes, uns mais que outros. E não roubam o protagonismo apenas e só porque quando nos afastamos e temos um olhar global sobre o filme, aquilo que vemos é magia em forma de cinema, é um passo em frente e um filme que nos deixa a pensar no momento em que saímos do cinema, e nos mantém a pensar sobre o filme ainda algum tempo depois. Voltando aos actores, Matthew McConaughey (escolhido por Nolan pelo seu desempenho em 'Mud' e abordado enquanto gravava 'True Detective', série na qual a sua personagem curiosamente teve uma interessante dissertação sobre a dimensão temporal) está soberbo! McConaughey ganhou o óscar com 'Dallas Buyers Club' mas emociona muito mais neste filme, conseguindo ter aqui a sua melhor personagem no grande ecrã, porque Rust Cohle foi em Tv. Cooper, o pai que quer voltar a ver os seus filhos, torna-se uma personagem inesquecível por ser quem melhor representa o filme. É impossível ficar indiferente às duas cenas mais emocionantes de 'Interstellar', com a câmara a focar as reacções de Cooper aos testemunhos dos seus filhos após alguns anos, e com o desespero de Cooper no hipercubo, numa das cenas mais bonitas do cinema recente. Para além de McConaughey, há Jessica Chastain e Anne Hathaway num nível muito bom, e uma jovem Mackenzie Foy a mostrar que afinal tem potencial. Depois temos o "melhor amigo" de Nolan, Michael Caine, actores subvalorizados (Casey Affleck e Wes Bentley), a veterana Ellen Burstyn, Bill Irwin a dar voz ao robot TARS, David Gyasi como uma boa surpresa na pele de Romilly, e ainda um actor reputado cuja aparição a equipa de 'Interstellar' procurou manter em segredo.
Christopher Nolan nunca escondeu influências - nomeadamente de 2001: A Space Odissey - mas 'Interstellar' é um filme único, brilhante, e que não se pode limitar ao rótulo de ficção científica pela forma como toca no coração de cada espectador. É uma obra-prima, uma inovação a todos os níveis, escrita com inteligência e sensibilidade. Actualmente há Scorsese, Woody Allen, Fincher, Tarantino, Spielberg, Burton, Peter Jackson e alguns mais, todos tão diferentes, mas há algo que faz de Christopher Nolan muito provavelmente o melhor realizador da actualidade. É um contador de histórias nato, e que nos faz usar um pouco mais a nossa massa cinzenta.
Num mundo normal 'Interstellar' estaria na pole position para o óscar de melhor filme e melhor realizador mas neste momento não parece ser esse o caso. Efeitos Visuais é uma garantia, algumas categorias de edição e quiçá a banda sonora de Zimmer (que também devia ser um dado adquirido) deverão ser as conquistas na grande noite do cinema, embora ainda haja tempo para muita gente perceber que não se trata apenas de um filme técnico, sendo muito mais que isso. Ainda falta ver muita coisa (Birdman, The Imitation Game, Unbroken, Whiplash, American Sniper, Foxcatcher e Theory of Everything, principalmente) mas com Interstellar, Boyhood e Gone Girl já há motivos suficientes para dizer que este ano reúne uma melhor fornada do que o ano passado.
Um conselho: Interstellar tem que ser visto no cinema. Por tudo. Se só puderem ir ao cinema 1 vez no espaço de um ano, este é o filme que pede esse bilhete.
Repleto de frases carregadas de significado e que já garantiram um lugar na História do cinema moderno, 'Interstellar' abre horizontes, acredita no melhor da humanidade, intriga-nos inicialmente e convence-nos com a mestria dos irmãos Nolan, tornando o quarto de uma rapariga de 10 anos um lugar para a eternidade. Porque Interstellar merece o infinito. Embora vá mais além.
Do not go gentle into that good night
Old age should burn and rave at close of day
Rage, rage against the dying of the light.
De génio. 'Interstellar' é o filme do momento, com larga margem o alvo a abater nos Óscares Barba Por Fazer (a Academia deve ir por outros caminhos), e um dos filmes mais ousados, completos, ambiciosos e marcantes do século XXI.
Tudo começou na cabeça de Jonathan Nolan, o irmão mais novo do realizador Christopher Nolan (que até agora tinha em The Dark Knight, Inception, The Prestige e Memento os seus maiores êxitos). Jonathan idealizou tudo o que é Interstellar, baseando-se nos estudos do físico Kip Thorne (consultor do filme), e indo ele próprio assistir a aulas sobre a Relatividade numa universidade norte-americana. Jonathan, o homem que fica na sombra, escreveu o argumento para Spielberg mas a história acabou - qual atracção gravítica - por ir parar ao irmão Christopher Nolan, que adaptou ligeiramente o argumento em sintonia com o irmão 6 anos mais novo.
'Interstellar' tem uma vez mais o Tempo como elemento essencial das acções de um filme de Nolan, ele que inovou no formato em Memento e brincou com o tempo, ao explorar os sonhos, em Inception. Mas Nolan não é obcecado pelo tempo, é apaixonado por ele. E desta vez dá-nos o seu filme mais emocional, mais ambicioso e vanguardista, com mais mensagem e com um elemento-chave: o amor, entre pai e filha.
A história é complexa mas perfeita, e importa não revelar demais, mas digamos que: num futuro não muito distante a humanidade, para sobreviver e evitar a extinção, tem que contemplar a hipótese de encontrar um novo planeta, noutra galáxia e sistema, que reúna condições para a vida humana. Cooper (Matthew McConaughey) é um ex-piloto da NASA, "relegado" para agricultor por força das circunstâncias, com dois filhos, Murph e Tom. O plano para salvar a humanidade da Terra (A) ou partir do zero noutro planeta (B) faz com que o professor Brand (Michael Caine) envie 4 pilotos - Cooper, Amelia Brand (Anne Hathaway), Romilly (David Gyasi) e Doyle (Wes Bentley) - numa viagem que contempla buracos negros e wormholes. E é na distorção temporal destes fenómenos, capaz de criar timelines diferentes, que reside a primeira força do filme.
Mas a força essencial do filme é a relação Cooper-Murph, a forma como Nolan nos expõe, nas palavras habitualmente sábias de Amelia Brand, o amor como a única força capaz de transcender o tempo e o espaço; 'Interstellar' é graficamente uma beleza digna de ser contemplada mas dá 40-0 a nomeadamente um 'Gravity' no momento em não se limita a ser perfeito na imagem e na edição, tendo uma alma, um coração próprio que emociona qualquer um.
Contrariamente à maioria dos filmes, o trailer de 'Interstellar' teve a inteligência de guardar toda a 3.ª parte do filme, onde a magia acontece verdadeiramente. Ao ver a promoção do filme podíamos ficar com a ideia "O quê? O Nolan vai fazer um Armageddon?", mas conhecendo-o era fácil antecipar que algo especial estava bem guardado. O filme cresce, conquista-nos progressivamente, embora nos hipnotize e prenda desde o primeiro momento. Os diálogos e alguns momentos ganham sentido à posteriori, e somos envolvidos numa Odisseia em que as mensagens - interpretações aparte nas escassas pontas que Nolan deixa intencionalmente soltas - a reter são claras: a humanidade deve arriscar e abraçar o risco e o desconhecido, como exploradores, pioneiros e descobridores que somos, mas nunca esquecendo que o devemos fazer tendo sempre alguém ao lado. Alguém para cuidar, alguém para amar, alguém para quem voltar.
Para além do trabalho dos irmãos Nolan, tem que ser tremendamente elogiada a banda sonora de Hans Zimmer - como sempre em tudo adequado a cada momento, perfeito na forma como acrescenta valor a cada cena e como a torna ainda mais épica (o acoplamento, por exemplo). E já agora importa também elogiar a marcante cinematografia de van Hoytema, ele que trabalhou o ano passado em 'Her', "safando-se" com distinção nesta viagem pelo espaço e tempo, no primeiro filme em que a Fotografia de Nolan não fica a cargo de Wally Pfister.
E isto leva-nos ao elenco, aos actores, aos desempenhos que materializam a ideia base e uma realização, argumento, banda sonora e edição de excelência. Tirando o Joker de Heath Ledger em The Dark Knight, em mais caso nenhum podemos dizer que os filmes de C. Nolan são "filmes de actor" - aqueles em que determinado desempenho rouba o protagonismo à concepção criativa, ao realizador. Em 'Interstellar' mais uma vez isso não acontece, embora os actores estejam excelentes, uns mais que outros. E não roubam o protagonismo apenas e só porque quando nos afastamos e temos um olhar global sobre o filme, aquilo que vemos é magia em forma de cinema, é um passo em frente e um filme que nos deixa a pensar no momento em que saímos do cinema, e nos mantém a pensar sobre o filme ainda algum tempo depois. Voltando aos actores, Matthew McConaughey (escolhido por Nolan pelo seu desempenho em 'Mud' e abordado enquanto gravava 'True Detective', série na qual a sua personagem curiosamente teve uma interessante dissertação sobre a dimensão temporal) está soberbo! McConaughey ganhou o óscar com 'Dallas Buyers Club' mas emociona muito mais neste filme, conseguindo ter aqui a sua melhor personagem no grande ecrã, porque Rust Cohle foi em Tv. Cooper, o pai que quer voltar a ver os seus filhos, torna-se uma personagem inesquecível por ser quem melhor representa o filme. É impossível ficar indiferente às duas cenas mais emocionantes de 'Interstellar', com a câmara a focar as reacções de Cooper aos testemunhos dos seus filhos após alguns anos, e com o desespero de Cooper no hipercubo, numa das cenas mais bonitas do cinema recente. Para além de McConaughey, há Jessica Chastain e Anne Hathaway num nível muito bom, e uma jovem Mackenzie Foy a mostrar que afinal tem potencial. Depois temos o "melhor amigo" de Nolan, Michael Caine, actores subvalorizados (Casey Affleck e Wes Bentley), a veterana Ellen Burstyn, Bill Irwin a dar voz ao robot TARS, David Gyasi como uma boa surpresa na pele de Romilly, e ainda um actor reputado cuja aparição a equipa de 'Interstellar' procurou manter em segredo.
Christopher Nolan nunca escondeu influências - nomeadamente de 2001: A Space Odissey - mas 'Interstellar' é um filme único, brilhante, e que não se pode limitar ao rótulo de ficção científica pela forma como toca no coração de cada espectador. É uma obra-prima, uma inovação a todos os níveis, escrita com inteligência e sensibilidade. Actualmente há Scorsese, Woody Allen, Fincher, Tarantino, Spielberg, Burton, Peter Jackson e alguns mais, todos tão diferentes, mas há algo que faz de Christopher Nolan muito provavelmente o melhor realizador da actualidade. É um contador de histórias nato, e que nos faz usar um pouco mais a nossa massa cinzenta.
Num mundo normal 'Interstellar' estaria na pole position para o óscar de melhor filme e melhor realizador mas neste momento não parece ser esse o caso. Efeitos Visuais é uma garantia, algumas categorias de edição e quiçá a banda sonora de Zimmer (que também devia ser um dado adquirido) deverão ser as conquistas na grande noite do cinema, embora ainda haja tempo para muita gente perceber que não se trata apenas de um filme técnico, sendo muito mais que isso. Ainda falta ver muita coisa (Birdman, The Imitation Game, Unbroken, Whiplash, American Sniper, Foxcatcher e Theory of Everything, principalmente) mas com Interstellar, Boyhood e Gone Girl já há motivos suficientes para dizer que este ano reúne uma melhor fornada do que o ano passado.
Um conselho: Interstellar tem que ser visto no cinema. Por tudo. Se só puderem ir ao cinema 1 vez no espaço de um ano, este é o filme que pede esse bilhete.
Repleto de frases carregadas de significado e que já garantiram um lugar na História do cinema moderno, 'Interstellar' abre horizontes, acredita no melhor da humanidade, intriga-nos inicialmente e convence-nos com a mestria dos irmãos Nolan, tornando o quarto de uma rapariga de 10 anos um lugar para a eternidade. Porque Interstellar merece o infinito. Embora vá mais além.
Do not go gentle into that good night
Old age should burn and rave at close of day
Rage, rage against the dying of the light.
Estava ansiosa por ler este comentário! Como sempre, muito bem escrito, retratando bem este filme.
ResponderEliminarConcordo que é mesmo um filme para ver no cinema, com concentração para captar tudo o que nos transmite em termos de imagem, som e significado.