fonte: Expresso.pt |
Conta a lenda que hoje vamos falar de religião. É pertinente primeiro contextualizar-vos com o facto de eu ser ateu. Tenho fé, mas fé nos homens. Nos valores, no sentido de ética e de moral. Tenho esperança na humanidade e nos indivíduos. Fui educado assim.
E agora, deixem-me contextualizar-vos um pouco relativamente à minha relação com a religião. Antes muito de ver um Zeitgeist, de perceber que Charles Darwin na Teoria das Espécies “matou Deus”, a minha mãe pôs-me na catequese. Fora um conselho da senhora que visitava a minha primária para nos convencer que Deus existia, e todas as mães estavam a aderir em massa à tipologia da catequese. A minha irmã tinha andado na catequese e até tinha feito a primeira comunhão, que é uma espécie de licenciatura na coisa, a meu ver. Há quem até faça o crisma, mas isso é para quem tem o mestrado-integrado em Igreja.
Pois eu, fui para a catequese e durei cerca de 5 aulas lá. Primeiro porque tínhamos falta se não tivéssemos ido à missa, e segundo pelo que ocorreu na minha segunda aula: a professora pediu-nos para desenharmos Deus e levarmos Deus desenhado na aula seguinte. Não, não pensem que eu levei uma folha em branco e disse, afrontando-a, que Deus não existia. Eu era uma criança dócil e inocente e como gostava de desenhar, desenhei Deus à imagem do seu filho – o Jesus. Fiz-lhe um cabelo comprido castanho, uma barba por fazer e lá lhe meti uma túnica à pensador grego (era isto que eu pensava em criança "e agora vou-lhe pôr uma túnica à pensador grego! Brilhante!" Não, não era). Embora na aula seguinte tenha tido um menos por não ter ido à missa, o meu Deus foi elogiadíssimo, e a senhora disse que estava igual. A partir daí, nunca mais fui. Achei aquele momento estúpido e, conjugado com outras coisas, "fugi". Mas pelo menos aprendi o pai nosso. Se bem que acho que isso está ao nível de aprender a picotar um A no 1º ano.
Continuando na minha dissertação pela Igreja e pela minha experiência junto do clero, confesso ter sempre alguma dificuldade quando estou em igrejas. Não pela instituição social em si, que acho normalmente uma construção que se deve respeitar mesmo não acreditando na ideologia de base, mas por uma espécie insuportável que infesta fortemente o espaço religioso: as beatas. São os que dão graxa a Deus, por palavras simples. E há outra coisa em que a minha destreza é incrivelmente rudimentar, e que me surpreende sempre, que é a capacidade que as pessoas mais afectas à igreja (mas não só essas, e é isso que me surpreende) têm de dizer a coisa certa no momento certo. Eu sei os cânticos do Benfica, mas aí o líder dos NN começa-o. Ali, a meu ver, nem sempre há pistas. É um dom, suponho. Eu não o tenho.
E agora sim, depois desta contextualização, vamos falar de papa.
Embora não seja um crente, sempre vi no papa João Paulo II uma figura incontornável e que só fazia perdurar o respeito pela doutrina católica, fruto de todo o seu esforço pela Igreja, do seu discurso e pela serenidade valorativa que emanava. Vi Karol Wojtyla lutar até ao fim das suas forças por si e por continuar a ser a voz e o corpo da Igreja no Mundo, chegando até ao ponto em que fazia confusão ver a degradação dum homem que se calhar devia ter resignado antes do fim. E depois, surgiu o alemão Ratzinger. Uma antítese que disse adeus pela “falta de forças” – um papa que nunca unificou, que sempre foi talvez demasiado intelectual e não tanto humano, pese embora tenha “reinado” em tempo de escândalos como a pedofilia e a espionagem no Vaticano. Era difícil gostar da cara dele, eu tinha medo dele. Não tinha, mas quase. Ok, tinha, admito.
E agora esperamos o fumo branco do conclave de 115 cardeais. Espera-se um papa diferente, uma opção que rompa com muito do que foi a História da Igreja até agora. O filipino Luis Tagle, de 55 anos, é visto como uma opção interessante pela sua idade (fará sentido uma norma que imponha um limite de idade ao papa?), há uma série de opções que têm em vista a abertura ao “mundo novo” – o ganês Peter Turkson, os brasileiros João Braz de Avis e Odilo P. Scherer, falando-se ainda de fortes cardeais americanos – Timothy Dolan (EUA), Marc Quellet (Canadá) e Leonardo Sandri (Argentina). A isto se juntam, “os da casa”, Ravasi e Scola. Eu não sei estas coisas porque sim, fui pesquisar e consulto a Visão. Mas o que quero com isto dizer é que a Igreja deveria procurar um caminho novo – a cara da Igreja com J. Paulo II e a cara com Ratzinger, o respeito pela mesma, deteriorou-se, pelo menos é a ideia que tenho. E isto é o conselho de um ateu.
E pronto, embora tenha falado do J. Paulo II e o respeite, tenho que bater na igreja porque a cara que lhe associo ainda é o “Ratazinha”. É de mau tom fazer piadas de pedofilia relacionadas com o conclave (e há limites no humor), portanto resta-me imaginar o conclave como uma rave, um Conclave dos Segredos (como o “5 para Meia-noite” bem caricaturou) no qual os cardeais vão usando o confessionário falando com A Voz. Mas já agora partilho o que aprendi sobre as eleições dos senhores que querem educar uma civilização inteira mas que guardam uma das maiores quantidades de ouro deste planeta. Um papa precisa de 2 terços dos votos para ser eleito (fazem-se quatro votações por dia) e cada cardeal coloca o seu voto no cálix de ouro (ou cálice de fogo, para os cardeais fãs de Harry Potter), fala-se italiano embora tantas nacionalidades estejam reunidas e, já agora, fiquei a saber que, após a resignação de Ratzinger, a Igreja acabou com a conta de Twitter do papa (@Pontifex), na qual Bento XVI tinha escrito 30 tweets. A Igreja 2.0, incrível. É inevitável imaginar " @Pontifex está a seguir @Crianças ".
Volto a dizer que eu não sou claramente a melhor pessoa para falar sobre a Igreja, este texto visa apenas numa pequena reflexão mostrar-vos como tem sido a minha relação com a Igreja e informar-vos sobre o processo de eleição papal.
Ouvir-se-á, em breve: Habemus Papam. MP