2020 acabou finalmente e, caso não tenham reparado, não foi um ano muito bom. Eufemismo. Neste início de 2021 fazemos um balanço televisivo relativo ao ano que nos condenou a uma pena de prisão domiciliária no nosso sofá e no qual, honestamente, as Séries também deixaram a desejar. Começando com as Melhores Novas Séries de 2020, analisaremos ainda, tal como fazemos todos os anos, os melhores episódios e, por fim, as Melhores Séries.
O ano que acabou ontem sofreu também por comparação. É que 2019 foi um ano particularmente incrível com mini-séries como Watchmen, Chernobyl, When They See Us e Unbelievable, novas viagens como Euphoria, Sex Education, Ramy, What We Do in the Shadows e The Mandalorian, e mesmo em solo nacional brilharam Sul e O Resto da Tua Vida.
Desta vez, optámos por destacar 15 novas séries - há um ano exaltámos vinte - num leque que deixa de fora, possivelmente de forma injusta, Mrs. America, Lovecraft Country e I Know This Much Is True (novidades que não tivemos tempo para ver) mas também novos formatos que abandonámos a meio como Run, Dispatches From Elsewhere e The Eddy.
Entre as escolhas abaixo apresentadas, pertencem à HBO 3 dos 6 primeiros lugares, num Top em que a Netflix, o FX e o Hulu também têm uma palavra a dizer. Justificamos assim as nossas 15 Melhores Novas Séries de 2020:
1. I May Destroy You (HBO)
Criado por: Michaela Coel
Elenco: Michaela Coel, Weruche Opia, Paapa Essiedu, Marouane Zotti
IMDb: 8.1 | Rotten Tomatoes: 97% | Metascore: 86
A melhor nova série de 2020 para o Barba Por Fazer. A dramédia de Michaela Coel é um exercício em busca de cura, um anagrama de abuso sexual desconstruído progressivamente, à medida que a memória ferida e o recalcamento se tornam serenidade.
Se é verdade que tantos filmes e séries aproveitam o movimento #MeToo numa manobra pertinente sim mas também pontualmente oportunista, I May Destroy You é uma adequada bandeira do movimento, sendo relevante em todo e qualquer momento pela sua coragem e originalidade.
É a catarse de 2020, justificando-se a eleição de Michaela Coel como uma das figuras televisivas do ano graças a um retrato da gestão de um trauma e da vida depois.
2. Dave (FXX)
Criado por: Dave Burd e Jeff Schaffer
Elenco: Dave Burd, Taylor Misiak, Gata, Andrew Santino, Travis Bennett, Christine Ko
IMDb: 8.4 | Rotten Tomatoes: 72% | Metascore: 64
Durante a primeira vaga da pandemia, o FXX estreou uma série que dava ares de Atlanta e Ramy. E após um começo descontraído, Dave revelou-se uma das grandes surpresas do ano. Dave Burd/ Lil Dicky é o rapper neurótico, acelerado e ansioso no centro de tudo, dando a sensação que esta poderia ser uma série de Woody Allen se o realizador de 85 anos tivesse nascido nos anos 80 e gostasse de rap.
Um poço de criatividade, com 3 dos melhores episódios do ano, e que ter-nos-á na primeira fila quando enfrentar o famoso "teste da segunda temporada".
3. The Queen's Gambit (Netflix)
Criado por: Scott Frank e Alan Scott
Elenco: Anya Taylor-Joy, Marielle Heller, Bill Camp, Harry Melling, Thomas Brodie-Sangster
IMDb: 8.7 | Rotten Tomatoes: 99% | Metascore: 79
Possivelmente o principal fenómeno televisivo de 2020. The Queen's Gambit não demorou a tornar-se a série da moda quando estreou na Netflix em finais de Outubro e assim foi justificadamente. A mini-série ficcional sobre a prodigiosa órfã Beth Harmon (Anya Taylor-Joy, cada vez mais uma estrela) teve impacto social, fazendo disparar a prática de xadrez, e serviu de prova dos nove para o absurdo talento da sua protagonista, que aos 24 anos já brilhara em The Witch e Split, tendo agora o statuos quo para corresponder ao peso de herdar a Furiosa de Charlize Theron, na origin story de George Miller.
Sucessora de Chernobyl enquanto mini-série universal e de apelo global do ano, The Queen's Gambit coreografou dependências, vícios e génios, fazendo cheque-mate ao tornar o xadrez dinâmico e emocionante.
4. The Last Dance (ESPN, Netflix)
Criado por: Jason Hehir
Elenco: Michael Jordan, Phil Jackson, Scottie Pippen, Dennis Rodman, Steve Kerr
IMDb: 9.2 | Rotten Tomatoes: 96% | Metascore: 90
Uma das melhores coisas que 2020 nos deu. A co-produção ESPN e Netflix tornou-se consumo obrigatório para qualquer adepto da NBA e mesmo para qualquer fã de desporto em geral. Com maior foco em Michael Jordan e na sua última época nos Chicago Bulls (1997-98), The Last Dance provocou aquela sensação reconfortante de quem logo no final do 1.º episódio sabe que tem pela frente uma jornada incrível e histórica para assistir.
Naturalmente pró-Jordan, The Last Dance é mais entretenimento do que jornalismo, e é um daqueles documentários (8 horas e 11, ao longo de dez capítulos) capazes de captar a mística, a grandeza, os bastidores de uma Lenda.
5. How to With John Wilson (HBO)
Criado por: John Wilson
Elenco: --
IMDb: 8.7 | Rotten Tomatoes: 100% | Metascore: 83
How to with John Wilson é a série mais difícil de descrever entre estas 15. É seguramente diferente e original, parecendo em teoria impossível "vender" a elevada qualidade de uma série documental que se preocupa em responder a questões tão mundanas: por exemplo, como fazer conversa fiada, como cobrir e proteger a mobília, como dividir a conta ou como cozinhar o risotto perfeito.
O conselheiro e narrador John Wilson consegue uma série simultaneamente sobre tudo e sobre nada, com a sua lente a captar Nova Iorque e a humanidade com uma improvável profundidade. É poesia contemporânea.
6. We Are Who We Are (HBO)
Criado por: Luca Guadagnino, Paolo Giordano, Francesca Manieri, Sean Conway
Elenco: Jack Dylan Grazer, Jordan Kristine Seamón, Chloë Sevigny, Corey Knight, Francesca Scorsese, Spence Moore II, Kid Cudi, Alice Braga
IMDb: 7.0 | Rotten Tomatoes: 88% | Metascore: 77
Nenhuma série da HBO foi "tão HBO" este ano como We Are Who We Are. Experimental, irreverente, carregada de juventude e de liberdade, a série 100% realizada pelo italiano Luca Guadagnino (Call Me By Your Name) preencheu q.b. o vazio de não termos tido Euphoria (à excepção de um episódio especial) este ano, e ousou fotografar a sexualidade em todo o seu prisma e a adolescência com toda a sua efervescência. Jordan Kristine Seamón, Jack Dylan Grazer, Corey Knight e Spence Moore II são nomes que não devemos esquecer nos próximos anos.
7. Normal People (BBC Three, Hulu)
Criado por: Sally Rooney
Elenco: Daisy Edgar-Jones, Paul Mescal
IMDb: 8.5 | Rotten Tomatoes: 90% | Metascore: 82
O erotismo e a sensibilidade de Normal People marcaram de forma vincada o ano televisivo de 2020. Por vezes pesada e emocionalmente exigente ou mesmo esgotante, a série da BBC Three e do Hulu revelou-se um daqueles casos raros em que dois actores se entregam totalmente, um ao outro, ao texto e às câmaras, e deixam a sua vulnerabilidade transpor os limites do ecrã.
Paul Mescal e Daisy Edgar-Jones, duas revelações de 2020 para acompanhar ao longo desta década.
8. Unorthodox (Netflix)
Criado por: Anna Winger
Elenco: Shira Haas, Amit Rahav, Jeff Wilbusch, Alex Reid
IMDb: 8.0 | Rotten Tomatoes: 96% | Metascore: 85
Têm sempre mérito os autores que se revelam capazes de colocar no ecrã um ambiente ou um POV que o cinema e a televisão pouco visitam ou assumem. Unorthodox (4 episódios, perfazendo um total de 3 horas e 33 minutos) combinou o inglês, o alemão e ídiche e mostrou o judaísmo hassídico, as suas tradições e uma comunidade ultraortodoxa em Nova Iorque.
Shira Haas (difícil acreditar que tem 25 anos) brilhou com um desempenho monumental como Esty, numa mini-série que só não surge mais acima na nossa lista porque o clímax (musical) do 4.º episódio não "bateu" tanto como deveria.
9. Devs (FX)
Criado por: Alex Garland
Elenco: Sonoya Mizuno, Nick Offerman, Zach Grenier, Jin Ha, Alison Pill, Karl Glusman
IMDb: 7.7 | Rotten Tomatoes: 81% | Metascore: 71
Tendo Alex Garland realizado Ex Machina e Annihilation, emergindo assim como um semi-Deus na ficção científica recente (num raciocínio em que o estatuto de Deus pertence, seguramente, a Denis Villeneuve), esperávamos francamente mais de Devs.
Com uma banda sonora inconfundível, vários cenários, uma atmosfera e momentos imageticamente memoráveis, Nick Offerman num papel bem afastado do seu typecast e Zach Grenier a interpretar uma excelente personagem, Devs navegou filosoficamente entre os conceitos de livre arbítrio e determinismo. Foi, no entanto, uma série penosa em alguns episódios, falhando também na criação de empatia entre a personagem principal (Sonoya Mizuno como Lily) e o espectador.
10. Ted Lasso (AppleTV+)
Criado por: Jason Sudeikis, Bill Lawrence, Brendan Hunt e Joe Kelly
Elenco: Jason Sudeikis, Hannah Waddingham, Juno Temple, Brett Goldstein, Phil Dunster, Jeremy Swift, Brendan Hunt, Nick Mohammed, Toheeb Jimoh
IMDb: 8.7 | Rotten Tomatoes: 90% | Metascore: 71
Ted Lasso foi tudo aquilo que 2020 não foi. Num ano pesado, sofrido, cansativo e claustrofóbico, a série desportiva da AppleTV+ com Jason Sudeikis como protagonista foi uma espécie de medicamento: um produto alegre e esperançoso com uma energia e optimismo contagiantes. Ponto de partida? Um treinador da NFL (futebol americano) que é contratado para orientar uma equipa da Premier League. Podem contar connosco para as próximas temporadas.
11. Des (ITV)
Criado por: Luke Neal, Lewis Arnold e Kelly Jones
Elenco: David Tennant, Daniel Mays, Jason Watkins
IMDb: 7.7 | Rotten Tomatoes: 89% | Metascore: 75
Num ano em que não houve Mindhunter (e será que alguma vez voltará a haver?), coube ao londrino ITV fazer de Netflix e brindar-nos com uma mini-série (3 episódios) capaz de mergulhar na perturbadora mente de um serial-killer.
Baseada na detenção do escocês Dennis Nilsen, Des impressionou com um dos melhores episódios-piloto do ano e serviu de recordação que David Tennant é realmente incrível como antagonista.
12. Breeders (FX, Sky One)
Criado por: Chris Addison, Simon Blackwell e Martin Freeman
Elenco: Martin Freeman, Daisy Haggard, Michael McKean, Alun Armstrong, Joanna Bacon
IMDb: 7.2 | Rotten Tomatoes: 83% | Metascore: 65
A explorar a paternidade/ maternidade, sem inibições e com uma valiosa sinceridade, Breeders (inspirada na experiência do actor Martin Freeman enquanto pai) soube colocar no ecrã o que é estar no limite, os desafios de um casal e o conceito de educação, envolvidos numa comédia muito britânica, com tanto de divertida como de exasperante. Daisy Haggard é óptima neste género, e Michael McKean acrescenta muito em tudo aquilo em que entra.
13. The Great (Hulu)
Criado por: Tony McNamara
Elenco: Elle Fanning, Nicholas Hoult, Phoebe Fox, Adam Godley, Douglas Hodge, Sebastian De Souza
IMDb: 8.1 | Rotten Tomatoes: 88% | Metascore: 75
O australiano Tony McNamara brilhara no tom do guião de The Favourite, e em The Great teve liberdade total para extremar a paródia na realeza. A sátira sobre Catarina II da Rússia foi uma das comédias do ano, extraindo o melhor da dupla Elle Fanning e Nicholas Hoult (tão bom como imperador mimado) e trabalhando bem o conflito. Uma série leve num ano pesado.
14. Tiger King: Murder, Mayhem and Madness (Netflix)
Criado por: Eric Goode, Rebecca Chaiklin
Elenco: --
IMDb: 7.6 | Rotten Tomatoes: 86% | Metascore: 76
Poucas séries geraram tamanho passa-a-palavra na primeira vaga da pandemia. O excêntrico documentário da Netflix sobre Joe Exotic, possivelmente com episódios em excesso para o "sumo" do seu conteúdo, prendeu-nos ao ecrã com curvas e contracurvas inacreditáveis. Um fragmento da América sulista, com um enredo e um desfile de aves raras dignos da mais fértil das imaginações, surpreendendo por ser real.
15. Raised by Wolves (HBO Max)
Criado por: Aaron Guzikowski
Elenco: Amanda Collin, Abubakar Salim, Travis Fimmel, Niamh Algar, Winta McGrath, Felix Jamieson
IMDb: 7.7 | Rotten Tomatoes: 72% | Metascore: 64
A série de Aaron Guzikowski, argumentista de Prisoners, com Ridley Scott como produtor executivo, foi um bom casamento entre o melhor que Scott deu à ficção científica nos anos 70 e 80 e pior e mais bizarro que tem dado na última dezena de anos.
Com uma premissa promissora (Mother e Father são boas personagens), Raised by Wolves arrancou como algo que parecia vir a pode inundar o Reddit com múltiplas teorias e interpretações, mas derrapou a meio caminho acabando por coleccionar mais momentos WTF que outra coisa.