29 de janeiro de 2020

As Melhores Séries de 2019

Celebrámos o novo (personagens, séries estreadas e episódios de 2019), mas é chegado o momento de elevar a fasquia e colocar todas as séries em pé de igualdade. Abaixo, as Melhores Séries de 2019 para o Barba Por Fazer.
    Em comparação com o nosso Top-20 de 2018 são três as séries que se mantêm entre as nossas escolhas: Succession passou de 19.º para o nosso pódio, Barry manteve-se na metade superior da lista e a Parte 1 de BoJack Horseman foi suficiente para preservar o cavalo antropomórfico por estas bandas. Convém lembrar que este foi um ano sabático para Atlanta, Better Call Saul, My Brilliant Friend ou Westworld. Das 20 séries que destacamos abaixo, 9 começaram este ano e 4 (excluindo as mini-séries deste raciocínio) disseram-nos um definitivo e melancólico adeus.

    Numa análise global, aquela que foi para nós a melhor novidade do ano fica classificada em quinto lugar, e num ano em que julgávamos que Game of Thrones estaria aqui (e não está, o que não deve surpreender ou chocar ninguém) acabou por ser ainda assim a HBO a Casa mais representada com 7 séries, 5 delas no Top-10. A Netflix - a produção de séries em massa leva a um privilégio de quantidade sobre qualidade - surge num honroso 2.º lugar com 5 séries. Pertencem a USA, BBC One, Amazon, Channel 4, FX, SundanceTV e RTP1 as restantes obras, voltando portanto o nosso Top do ano a contar com uma produção portuguesa.
    Não nos vamos esquecer de 2019.


1. Mr. Robot (USA)criado por Sam Esmail

(99) - A melhor série de 2019, a série desta década para o Barba Por Fazer, a nossa nova nº 1 de todos os tempos. Para Mr. Robot as palavras não fazem jus. Capucho colocado, qual super-herói com o seu uniforme, corre numa missão em silêncio. Em cinco actos, uma peça, que nos destrói no quarto acto. A escada vermelha roda como Kubrick a faria rodar, o pai conforta o filho, Tyrell ruma em direcção ao luar num episódio Lynchiano.
    Nenhuma série foi tão consistente, tão visualmente impressionante, tão criativa admitindo as suas influências, teve tão perfeita banda sonora (Mac Quayle). Nenhuma última temporada manteve a fasquia tão elevada. Mr. Robot respeitou e valorizou as suas personagens secundárias (veja-se os exemplos de Vera e Whiterose), certificou Sam Esmail no hall of fame televisivo junto a Vince Gilligan e David Simon e eternizou-se num "Olá, Elliot" antecedido por um túnel de memórias, fotogramas pintados ao som de M83.
    Temos saudades de 2015, e a única palavra em que cabe tudo sobre Mr. Robot é: obrigado. Entre tanta coisa, teremos nomeadamente e para sempre isto:
You're right. I hate people. [I'm] scared of them. I've been scared of them practically my whole life. And people I loved, people I trusted, have done their absolute worst to me. And for a long time that's all I ever knew. So yeah, I called my group Fsociety" (...) But then there are some people out there, and it doesn't happen a lot, it's rare. But they refuse to let you hate them. In fact, they care about you in spite of it. And the really special ones, they're relentless at it. Doesn't matter what you do to them, they take it and care about you anyway. They don't abandon you, no matter how many reasons you give them. No matter how much you're practically begging them to leave. And you wanna know why? Because they feel something frome me that I can't. They love me.

2. Fleabag (BBC One)criado por Phoebe Waller-Bridge

(92) - Na paragem de autocarro ela arrisca, desarmada, um "Amo-te". Ele diz-lhe que isso vai passar mas um minuto mais tarde despede-se para sempre com um "Também te amo". Platónico, efémero, há-de passar. A raposa precisa de indicações. Ele foi por ali. Ele, o padre que ouve Jennifer Lopez. Claro que ouve, que padre não o faz? Um jantar de família acaba num nariz em sangue e num aborto emprestado. O corte de cabelo faz a irmã Claire parecer um lápis. Claire, não confundir com Klare, o finlandês. Kristin Scott Thomas profere um dos monólogos do ano ao relacionar os conceitos de mulher e dor; e mesmo assim o monólogo é apenas bronze no pódio da temporada, suplantado pelo discurso do padre que começa amargo e acaba em esperança, e por aquele confessionário de copo na mão. Ela confessa-se: quer que alguém que lhe diga o que vestir todas as manhãs, alguém que lhe diga o que comer, o que gostar, o que odiar, o que ouvir e que banda gostar, em que acreditar, em quem votar, quem amar e como lhes dizer. Quer alguém que lhe diga como viver.
    Fleabag ajoelha-se. Mas antes que o faça já todos nós estamos ajoelhados, curvados perante o seu talento e originalidade, rendidos a uma Voz diferente de todas as outras no meio. Uma voz que não queremos que nos saia da cabeça. Magia em 6 episódios, arte daquela que não cabe em palavras, teve todos os beats e gags executados com iguais doses de vulnerabilidade, arrogância, humor e paixão.
    No fim, sorriu serena e seguiu em frente. Mas nós vamos demorar a conseguir fazer o mesmo.


3. Succession (HBO)criado por Jesse Armstrong

(90) - Ao segundo ano, Succession tornou-se simultaneamente o drama mais cómico da actualidade e a comédia com maior nuance dramática. A dramédia do britânico Jesse Armstrong deu um salto e tornou-se adágio em Dó Menor, uma poesia contemporânea de género híbrido capaz de rimar nas subtilezas. Foi conflito e imprevisibilidade à mesa, humor negro improvisado por um dos elencos do ano (incríveis Jeremy Strong, Brian Cox, Sarah Snook, Kieran Culkin e Matthew Macfadyen), tudo em torno de uma família incapaz de confiar e comunicar com honestidade, que em vez de se amar, negoceia.
    Succession é um exercício de escrita em que cada palavra é uma arma. É a rainha das metáforas, dos insultos e das humilhações. É um "mas" que muda tudo; e estes são os Roy, capazes de se defender emocionalmente e atacar racionalmente entre si com a mesma voracidade.

4. Dark (Netflix), criado por Baran bo Odar e Jantje Friese

(90) - Entre ciclos, paradoxos, linhas temporais e árvores genealógicas, Dark, o labirinto alemão da Netflix, provou na sua segunda temporada que Jantje Friese e Baran bo Odar estão 30 passos à frente de todos nós, comuns mortais. À medida que sabemos mais e mais, o complexo novelo transforma-se aos poucos num círculo e numa prisão temporal que teima interessar-se não pelo onde nem pelo como mas sim pelo quando. Mantendo o seu casting surreal, Dark reforçou-se como genial puzzle alucinogénico, um déjà vu nunca antes visto, a melhor dor de cabeça possível e uma razão para estarmos gratos pela existência do botão Pausa nos nossos comandos. Tem tudo para - após a 3.ª e última temporada - ficar imortalizada como uma das mais ambiciosas narrativas com viagens no tempo, coesa, lógica e exigente do primeiro ao último minuto.
    Infelizmente não podemos viajar no tempo até à data de estreia da temporada final, mas talvez se explique assim porque é que Dark nos preenche tanto: poucos são hoje aqueles que vivem no presente, temos saudades do passado ou estamos ansiosos pelo futuro.

5. Watchmen (HBO)criado por Damon Lindelof

(88) - A melhor nova série de 2019 para o BPF foi uma incrível reflexão sobre raça e sobre a nossa sociedade. Watchmen impressionou através do difícil casamento entre o respeito pelo material original e a coragem/ loucura de fazer algo (muito) diferente, construindo identidade própria.
    Damon Lindelof deu-nos uma espécie de irmão espiritual da sua série anterior e obra-prima, The Leftovers, captando muito melhor as sensações, a essência e alma da banda desenhada de Alan Moore do que o filme de 2009.
    Watchmen apresentou praticamente duas séries lado a lado, recompensou-nos com episódios como "A God Walks into Abar" e "This Extraordinary Being" e foi jazz composto com todas as cores disponíveis na pauta. Foi o tempo a ser todo o tempo ao mesmo tempo. Se foi uma mini-série ou a primeira temporada de uma série ainda não sabemos, mas foi bom... muito bom.

6. Chernobyl (HBO, Sky Atlantic)criado por Craig Mazin

(88) - Histórico monumento televisivo da HBO, uma mini-série perfeita. Escrita pelo improvável Craig Mazin e realizada pelo sueco Johan Renck, Chernobyl tem tudo para amadurecer com a classe e distinção de Band of Brothers.

    A receita imaculada cozinhou-se em 5 episódios, equiparando-se a excelência do elenco aos restantes vectores. Chernobyl foi terror sonoro e a melhor aula de Química das nossas vidas, foi a tensão de 90 segundos para retirar grafite de um terraço, a ansiedade medida em contadores Geiger e, acima de tudo, uma lição de como lidar com exposição e que perspectiva escolher para estabelecer a máxima empatia com o espectador, sem nunca perder a escala da tragédia.


7. When They See Us (Netflix), criado por Ava DuVernay

(85) - Há grandes filmes e séries que só queremos ver uma vez. When They See Us, a série certa no momento certo sobre um conjunto de rapazes, hoje homens, no local errado à hora errada, foi um desses casos. Num ano muito forte em mini-séries, a obra de Ava DuVernay revelou-se um bingewatch intenso e custoso, deixando o espectador esgotado emocionalmente, impotente e angustiado. Qual murro no estômago e conto urbano que todos desejaríamos ser ficção quando foi realidade, a mini-série de 4 episódios afirmou-se como uma reflexão sobre justiça, medo e abuso de poder, como terapia de choque e formação cívica.

    Estamos gratos por "Part Four", 1 hora e meia do melhor que se fez este ano em televisão, e jamais nos sairá da memória o portentoso e emocionante retrato de sofrimento e esperança, bondade e dor de Jharrel Jerome como Korey Wise.

8. Barry (HBO), criado por Bill Hader e Alec Berg

(84) - A única série presente nos 10 primeiros lugares tanto em 2018 como em 2019. Barry manteve-se tão tenso e absurdo quanto cómico (que melhor exemplo disso do que "ronny/lily"?), com Bill Hader a impressionar tanto como protagonista como na realização.
    Barry Berkman/ Barry Block é um dos principais anti-heróis da actualidade televisiva, numa série que tanto consegue dar ares de Atlanta como de Breaking Bad. Ok, Game of Thrones terminou, mas a HBO não está nada mal servida nos próximos anos com Barry, Succession e Euphoria.


9. Euphoria (HBO)criado por Sam Levinson

(83) - Polémica e ousada, a série da HBO sobre adolescentes embora não necessariamente para eles aqueceu o Verão. Com Zendaya (deixou-nos sem palavras) a surpreender, Euphoria revelou-se uma droga e uma espiral estonteante e tecnicamente ambiciosa (só Mr. Robot superou a série de Sam Levinson nos movimentos de câmara) sobre a Geração Z, com personagens egoístas e hedonistas, num trajecto de autodescoberta e constante ansiedade.
    Mais uma prova de como a HBO não sente medo da diferença, vivendo sim apaixonada por ela, é uma fotografia de uma geração que consegue ser simultaneamente sinónimo de liberdade e claustrofobia. Cada plano com Hunter Schafer é um quadro, e se pensarmos em Jules, Rue, Fezco, Nate, Cassie, Maddy, Kat e Lexi percebemos que Euphoria nos deu algumas das melhores novas personagens do ano.


10. Catastrophe (Channel 4)criado por Sharon Horgan e Rob Delaney

(82) - A viagem de Sharon e Rob valeu pelo seu todo (4 temporadas), mas se a temporada final de Catastrophe tem um lugar no nosso Top-10 deve-o e muito aos seus instantes finais, uma das cenas finais mais criativas dos últimos anos.
    Pensar que Rob Delaney canalizou para esta derradeira amostra do que é viver a dois e ser pai/ mãe a perda do seu filho Henry (tinha 2 anos e meio quando faleceu em 2018 com um tumor no cérebro) arrepia sempre.


11. What We Do in the Shadows (FX)criado por Jemaine Clement

(81) - Nenhuma série nos fez rir tanto em 2019. Não tão completa como Fleabag, Barry ou Catastrophe, a adaptação do filme de Jemaine Clement e Taika Waititi casou o bizarro com o estúpido e o hilariante. Com um humor peculiar, a aposta do FX mostrou-se um dos novos projectos do ano, provocando nos espectadores maleitas como risos audíveis e a enfermidade latina caras de parvus. Aquele concílio de vampiros famosos e aquela noitada de um vampiro ancestral...

12. The Deuce (HBO)criado por David Simon e George Pelecanos

(81) - Na sua despedida, The Deuce foi em tudo a melhor versão do que sempre caracterizou a série - a escrita refinada de David Simon, capaz de nos transportar para cada beco e quarto, o soberbo elenco sempre encabeçado por Maggie Gyllenhaal e por um bis de James Franco, a composição de momentos ásperos, sinceros e de uma humanidade singular.

13. The Crown (Netflix)criado por Peter Morgan

(81) - Os anos passaram pela coroa e Claire Foy virou Olivia Colman, Vanessa Kirby virou Helena Bonham Carter e Matt Smith virou Tobias Menzies. E o nível manteve-se altíssimo. The Crown continua a ser uma das super-produções dos tempos modernos, com performances distintas (destaque na temporada para a sempre incrível Olivia Colman e para Josh O'Connor como príncipe Carlos) e uma sagaz capacidade de trazer à terra o dia-a-dia mundano de uma realeza tantas vezes encarada quase como divina pelo povo britânico.

14. Mindhunter (Netflix)criado por Joe Penhall

(81) - Dois anos depois, a série de David Fincher regressou, trabalhando com habilidade as noções de dúvida e culpa. Mindhunter manteve-se verdadeiro museu de horrores relatados e continuou a ser diálogo, psicologia e comportamento, rejeitando quase por completo a violência gráfica e exibida, e sendo violenta a palavra, a descrição e, por consequência, a nossa imaginação.
    Entre os assassinatos de crianças em Atlanta e 10 minutos absolutamente incríveis de Damon Herriman como Charles Manson, aquela que é uma das melhores séries Netflix até à data preservou o som do silêncio como inconfundível impressão digital, deixando sempre cada entrevista respirar durante o tempo necessário para cada pingue-pongue soar orgânico, hipnotizando os espectadores. Que a taxonomia de serial-killers prossiga, fascinada e fascinante.


15. Sul (RTP 1)criado por Edgar Medina, Guilherme Mendonça e Rui Cardoso Martins

(81) - O representante nacional entre as nossas 20 séries revelou-se um policial de respeito e uma sensível homenagem à cidade de Lisboa, com a capital sentida como personagem através da banda sonora dos Dead Combo. A Sul, tudo foi coeso, pensado e executado com a inteligência e dedicação de quem (Ivo M. Ferreira e todos os envolvidos) sabe que nenhuma cena deve ser desperdiçada e que todas devem ter algo para dizer. Do genérico à progressiva interligação de personagens, tudo respirou ao mesmo ritmo, tudo quis comunicar o mesmo.
    Contem connosco para o spin-off com Matilha (personagem de Afonso Pimentel).


16. Undone (Amazon)criado por Kate Purdy e Raphael Bob-Waksberg

(81) - Raphael Bob-Waksberg é o rei do existencialismo animado. O criador da melhor série de animação desta década, BoJack Horseman, mudou-se para a Amazon com Kate Purdy, uma das suas colaboradoras habituais, e juntos desenharam um rotoscópio fantástico a quebrar regras, estonteante a vasculhar o ontem e a desdobrar todos os seus pontos de interrogação.


17. BoJack Horseman (Netflix)criado por Raphael Bob-Waksberg

(80) - A primeira parte da temporada final de BoJack Horseman não nos devastou como acreditamos que a segunda (estreia dia 31 de Janeiro) conseguirá. Em 8 episódios a reabilitação de BoJack fez as pazes com muitos fantasmas e engarrafou uma constelação de vícios. O shot que escolhemos para ilustrar a temporada foi um dos melhores do ano.



18. State of the Union (SundanceTV)criado por Nick Hornby

(80) - A série mais rápida de consumir entre as nossas vinte escolhas fez-se 10 minutos de cada vez durante dez vezes. Os cerca de 10 minutos de Louise (Rosamund Pike) e Tom (Chris O'Dowd) no bar onde fazem tempo antes de entrarem em mais uma sessão de terapia de casais.
    A fotografia de uma relação no limbo.


19. The Virtues (Channel 4)criado por Shane Meadows

(80) - Vista por uma audiência muito mais pequena do que aquela que merecia, The Virtues marcou o reencontro de Shane Meadows e Stephen Graham. Foi um sôfrego e emocionante mergulho num passado recalcado, não sendo exagero convidar Graham a partilhar o pódio de performances masculinas da TV de 2019 com Rami Malek e Jharrel Jerome.



20. True Detective (HBO), criado por Nic Pizzolatto

(80) - Com Mahershala Ali como protagonista, a 3.ª temporada de True Detective recuperou a mística, os interrogatórios e a alternância temporal do primeiro ensaio, recuperando Nic Pizzolatto o crédito perdido. No regresso às origens e à fórmula que marcou o sucesso de 2014 (com Matthew McConaughey e Woody Harrelson), brilhou o bromance de Ali e Stephen Dorff num viciante puzzle criminal.

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