Criado por
Aziz Ansari, Alan Yang
Elenco
Aziz Ansari, Alessandra Mastronardi, Eric Wareheim, Lena Waithe, Bobby Cannavale, Shoukath Ansari, Angela Bassett
Canal: Netflix
Classificação IMDb: 8.3 | Metascore: 91 | RottenTomatoes: 100%
Classificação Barba Por Fazer: 90
- Abaixo podem encontrar Spoilers -
A História:
Master of None é um caso de estudo. Quando em Novembro de 2015 escrevemos sobre a série de Aziz Ansari, apontámos o amadurecimento evidente ao longo da primeira temporada daquele que é cada vez mais um dos tesourinhos da Netflix. Mas nada fazia prever tamanho salto qualitativo para a nova season, automaticamente uma das melhores e mais inesperadas de 2017 e uma das peças televisivas com mais personalidade, liberdade e ousadia dos últimos anos.
Para a Netflix, o contexto desta (muito) agradável surpresa é delicado. Entre as suas séries originais, 13 Reasons Why conquistou o seu público, mas Iron Fist desapontou (sim, um eufemismo), a 3.ª e última temporada de Bloodline está a ser enxovalhada pela crítica, o mais recente capítulo político de Frank Underwood em House of Cards está bem longe do patamar das temporadas 1, 2 e 4, enquanto que Sense8 ou The Get Down já foram mesmo canceladas. Um período conturbado - claro que há produtos intocáveis como Stranger Things, Daredevil, Bojack Horseman e The Crown e projectos muito promissores a caminho como Mindhunter, Maniac e The Punisher - e que por isso torna particularmente feliz o facto da série de Ansari passar digamos que de um patamar próximo de Love para aquele olimpo atingido por Atlanta, a série de Donald "Childish Gambino" Glover, no FX.
Mas mergulhemos na narrativa. Quando nos despedimos há quase 2 anos atrás do empático Dev (Aziz Ansari) tínhamos vivido com ele o êxtase do início de uma relação com Rachel. No fim, caminhos distintos: ela rumo ao Japão, e ele em direcção a Itália para aprender a fazer as melhores massas. Sim, as epifanias surgem nos momentos mais estranhos.
Falar desta segunda temporada de Master of None é falar do asumir de riscos. Ansari e Yang souberam preservar a capacidade singular da série em manter um tom uniforme, explorando diversos temas sempre com uma autenticidade rara e perspectivas e um estilo original. No mundo de Dev, o mundo de todos nós pontuado por dúvidas, dilemas existenciais e medos, tudo começa desta vez a preto e branco e com o italiano como idioma. Em Modena, e com várias homenagens ao clássico Ladri di Biciclette (1948), são-nos servidos dois pratos fortes da temporada: no desafio de seguir em frente depois de uma relação, Master of None torna-se um ensaio sobre relações para falar real e subtilmente sobre Solidão (um cansaço emocional e desespero mascarados), e desde o começo fica clara a italianização da série.
Pé ante pé, voltamos a ser encaminhados para os becos da vida do aspirante a actor, aspirante a chef, entretanto anfitrião de um programa televisivo de cupcakes. Os episódios passam a correr, variando desde os 21 aos 57 minutos (clara vantagem Netflix, esta vertente plasticina anti-grelha), com claro mérito para o visionário Aziz Ansari - participou como argumentista em todos, realizando os dois primeiros e os dois últimos.
Se na temporada anterior foram abordados temas tão diferentes entre si como o preconceito da TV norte-americana em relação aos indianos, as rotinas matinais de um casal ou a realidade dos idosos num lar, nesta há espaço para "perder" um episódio inteiro em encontros via Tinder, os autores homenageiam Nova Iorque num episódio onde o protagonismo vai saltando de desconhecido para desconhecido até completar um círculo perfeito, sem esquecer o maravilhoso Thanksgiving, ferramenta perfeita para explorar a backstory de Dev com a sua amiga Denise, e não só. Dez episódios que exploram a cultura millennial, e que vão desaguar à relação entre Dev e Francesca (Alessandra Mastronardi), uma rapariga italiana que está noiva e que, deslumbrada pelos EUA, nos enfeitiça como uma femme fatale do cinema clássico italiano. Numa ode ao conceito de friendzone, tão popular hoje em dia, aquilo que ou é o adiar o inevitável ou um erro tem na sua raíz duas motivações simples: ele não quer estar sozinho, ela tem medo de estar só com uma pessoa o resto da vida. E a decisão de não fazer de Pino (Riccardo Scamarcio) um vilão é fundamental para o carácter agridoce da coisa.
Ah, e já agora, se na primeira season houve Claire Danes, nesta temporada há Bobby Cannavale e Angela Bassett. Reforços de luxo para uma série que tem tanto de cómédia como de drama como de romance.
Para a Netflix, o contexto desta (muito) agradável surpresa é delicado. Entre as suas séries originais, 13 Reasons Why conquistou o seu público, mas Iron Fist desapontou (sim, um eufemismo), a 3.ª e última temporada de Bloodline está a ser enxovalhada pela crítica, o mais recente capítulo político de Frank Underwood em House of Cards está bem longe do patamar das temporadas 1, 2 e 4, enquanto que Sense8 ou The Get Down já foram mesmo canceladas. Um período conturbado - claro que há produtos intocáveis como Stranger Things, Daredevil, Bojack Horseman e The Crown e projectos muito promissores a caminho como Mindhunter, Maniac e The Punisher - e que por isso torna particularmente feliz o facto da série de Ansari passar digamos que de um patamar próximo de Love para aquele olimpo atingido por Atlanta, a série de Donald "Childish Gambino" Glover, no FX.
Mas mergulhemos na narrativa. Quando nos despedimos há quase 2 anos atrás do empático Dev (Aziz Ansari) tínhamos vivido com ele o êxtase do início de uma relação com Rachel. No fim, caminhos distintos: ela rumo ao Japão, e ele em direcção a Itália para aprender a fazer as melhores massas. Sim, as epifanias surgem nos momentos mais estranhos.
Falar desta segunda temporada de Master of None é falar do asumir de riscos. Ansari e Yang souberam preservar a capacidade singular da série em manter um tom uniforme, explorando diversos temas sempre com uma autenticidade rara e perspectivas e um estilo original. No mundo de Dev, o mundo de todos nós pontuado por dúvidas, dilemas existenciais e medos, tudo começa desta vez a preto e branco e com o italiano como idioma. Em Modena, e com várias homenagens ao clássico Ladri di Biciclette (1948), são-nos servidos dois pratos fortes da temporada: no desafio de seguir em frente depois de uma relação, Master of None torna-se um ensaio sobre relações para falar real e subtilmente sobre Solidão (um cansaço emocional e desespero mascarados), e desde o começo fica clara a italianização da série.
Pé ante pé, voltamos a ser encaminhados para os becos da vida do aspirante a actor, aspirante a chef, entretanto anfitrião de um programa televisivo de cupcakes. Os episódios passam a correr, variando desde os 21 aos 57 minutos (clara vantagem Netflix, esta vertente plasticina anti-grelha), com claro mérito para o visionário Aziz Ansari - participou como argumentista em todos, realizando os dois primeiros e os dois últimos.
Se na temporada anterior foram abordados temas tão diferentes entre si como o preconceito da TV norte-americana em relação aos indianos, as rotinas matinais de um casal ou a realidade dos idosos num lar, nesta há espaço para "perder" um episódio inteiro em encontros via Tinder, os autores homenageiam Nova Iorque num episódio onde o protagonismo vai saltando de desconhecido para desconhecido até completar um círculo perfeito, sem esquecer o maravilhoso Thanksgiving, ferramenta perfeita para explorar a backstory de Dev com a sua amiga Denise, e não só. Dez episódios que exploram a cultura millennial, e que vão desaguar à relação entre Dev e Francesca (Alessandra Mastronardi), uma rapariga italiana que está noiva e que, deslumbrada pelos EUA, nos enfeitiça como uma femme fatale do cinema clássico italiano. Numa ode ao conceito de friendzone, tão popular hoje em dia, aquilo que ou é o adiar o inevitável ou um erro tem na sua raíz duas motivações simples: ele não quer estar sozinho, ela tem medo de estar só com uma pessoa o resto da vida. E a decisão de não fazer de Pino (Riccardo Scamarcio) um vilão é fundamental para o carácter agridoce da coisa.
Ah, e já agora, se na primeira season houve Claire Danes, nesta temporada há Bobby Cannavale e Angela Bassett. Reforços de luxo para uma série que tem tanto de cómédia como de drama como de romance.
Se virem Master of None, vão-se apaixonar por Francesca. É garantido, e à prova de género e orientação sexual.
A invasão italiana nesta temporada serve o seu ponto de chegada: Francesca. A acção começa em Modena (Itália), o 1.º episódio é praticamente todo falado em italiano e a banda sonora contribui (Ennio Morricone, Mina, Pino D'Angiò e Lucio Battisti, entre outros).
Numa série em que o nível dos actores é bastante desequilibrado - temos convidados de luxo como Danes, Cannavale e Bassett, e ao mesmo tempo os pais amadores de Ansari -, Alessandra Mastronardi terá escancarado as portas de Hollywood para si com este papel. A relação entre Francesca e Dev consegue, em vários momentos, colocar-se em bicos de pés e competir com algo mágico como a química Woody Allen-Diane Keaton em Annie Hall, através de uma proximidade crescente. O hábito de flertar que se torna a consciência de que há linhas (uma porta envidraçada, por exemplo) que se querem transpor, e que se percebe ser potencialmente um desgosto à espera de acontecer.
Em Master of None, Francesca é, acima de tudo, um sonho. Representa o êxtase do novo, a excitação, a paixão, a sedução. Acompanhada por uma Cinematografia com um bom gosto e atenção ao detalhe incríveis, Francesca emerge como o sonho do qual Dev acabará por acordar.
A invasão italiana nesta temporada serve o seu ponto de chegada: Francesca. A acção começa em Modena (Itália), o 1.º episódio é praticamente todo falado em italiano e a banda sonora contribui (Ennio Morricone, Mina, Pino D'Angiò e Lucio Battisti, entre outros).
Numa série em que o nível dos actores é bastante desequilibrado - temos convidados de luxo como Danes, Cannavale e Bassett, e ao mesmo tempo os pais amadores de Ansari -, Alessandra Mastronardi terá escancarado as portas de Hollywood para si com este papel. A relação entre Francesca e Dev consegue, em vários momentos, colocar-se em bicos de pés e competir com algo mágico como a química Woody Allen-Diane Keaton em Annie Hall, através de uma proximidade crescente. O hábito de flertar que se torna a consciência de que há linhas (uma porta envidraçada, por exemplo) que se querem transpor, e que se percebe ser potencialmente um desgosto à espera de acontecer.
Em Master of None, Francesca é, acima de tudo, um sonho. Representa o êxtase do novo, a excitação, a paixão, a sedução. Acompanhada por uma Cinematografia com um bom gosto e atenção ao detalhe incríveis, Francesca emerge como o sonho do qual Dev acabará por acordar.
O Episódio: 09 'Amarsi Un Po'.
Não é fácil escolher apenas um episódio, quando pelo menos 4 estão entre os melhores de 2017. O primeiro marca bem o carácter original da temporada e a firmeza com que Master of None se procurou reinventar. Todo o episódio a preto e branco, grande parte dele em italiano. Depois, "Religion" e "First Date" são socialmente pertinentes, e "Dinner Party" inclui talvez a decisão mais corajosa da temporada - acabada a noite com Francesca, a câmara fixa-se durante mais de 2 minutos a acompanhar Dev em silêncio no banco de trás de um Uber até casa, mostrando com todo o tempo do mundo a difícil digestão de sentimentos e o impasse e indecisão, sem saber para onde ir a partir dali.
Os mais picuinhas poderão considerar "New York, I Love You" e "Thanksgiving" episódios para encher, mas são tudo menos isso, e são inclusive material para nomeações para Emmys. Na vénia à mão-de-obra nova-iorquina, o protagonismo divide-se entre um conjunto de desconhecidos, brilhando o episódio quando a protagonista é uma mulher surda-muda e nós (espectadores) ficamos igualmente sem qualquer som nesse segmento. Já o Dia de Acção de Graças mostra o passado dos amigos Dev e Denise, e a morosa capacidade da família de Denise em aceitá-la como é.
O último episódio tem um shot final muitíssimo inteligente embora ambíguo q.b., mas é em "Amarsi Un Po'" que esta temporada, e a relação de Dev e Francesca, atinge o seu auge. A essência está toda ali, entre traduções segredadas e danças em pijama.
Os mais picuinhas poderão considerar "New York, I Love You" e "Thanksgiving" episódios para encher, mas são tudo menos isso, e são inclusive material para nomeações para Emmys. Na vénia à mão-de-obra nova-iorquina, o protagonismo divide-se entre um conjunto de desconhecidos, brilhando o episódio quando a protagonista é uma mulher surda-muda e nós (espectadores) ficamos igualmente sem qualquer som nesse segmento. Já o Dia de Acção de Graças mostra o passado dos amigos Dev e Denise, e a morosa capacidade da família de Denise em aceitá-la como é.
O último episódio tem um shot final muitíssimo inteligente embora ambíguo q.b., mas é em "Amarsi Un Po'" que esta temporada, e a relação de Dev e Francesca, atinge o seu auge. A essência está toda ali, entre traduções segredadas e danças em pijama.
O Futuro:
Sem pressões para Aziz Ansari. A cabeça responsável por Master of None diz precisar de viver mais para ter mais histórias para contar. Por isso, devemos dar-lhe todos os anos que precisar, e esperar por uma 3.ª temporada capaz de continuar esta linhagem, digna de grandes obras que estudam quem somos, quem queremos ser e como nos sentimos em certos momentos e como nos relacionamos (Annie Hall, mas também a trilogia Before, por exemplo).
O último plano da temporada levanta várias questões. Sonho? Flashback? Ou flashforward? A lógica diz ser um flashforward, com uma expressão de precipitação ou arrependimento.
Ficamos a torcer para que haja um novo capítulo. E, se não for pedir muito, com Alessandra Mastronardi.
Sem pressões para Aziz Ansari. A cabeça responsável por Master of None diz precisar de viver mais para ter mais histórias para contar. Por isso, devemos dar-lhe todos os anos que precisar, e esperar por uma 3.ª temporada capaz de continuar esta linhagem, digna de grandes obras que estudam quem somos, quem queremos ser e como nos sentimos em certos momentos e como nos relacionamos (Annie Hall, mas também a trilogia Before, por exemplo).
O último plano da temporada levanta várias questões. Sonho? Flashback? Ou flashforward? A lógica diz ser um flashforward, com uma expressão de precipitação ou arrependimento.
Ficamos a torcer para que haja um novo capítulo. E, se não for pedir muito, com Alessandra Mastronardi.